O mundo, o ser, é um só. Mas em nossa longa caminhada pelas experiencias e aprendizados, nós acabamos por separar tudo isso em um ambiente regido pela dualidade: afastamos a mente do corpo, o exterior do interior, a terra do mar. Acontece que essa polaridade é apenas ilusória, e chegaria o tempo em que precisaríamos unificar novamente os mundos. A hora chegou, e ainda bem que temos o Aquaman e uma equipe imensa de personagens e criadores de realidade para nos ajudar a transmutar essa forma arcaica de pensamento. O novo filme da DC é um mergulho profundo em nosso oceano pessoal.

Que tempos maravilhosos estamos vivendo, em que mensagens tão importantes chegam até nós em alta definição e com efeitos especiais fantásticos. Se antes histórias que saíam do nosso “terrocentrismo” precisavam ser descartadas por falta de tecnologia, atualmente esse é um desafio completamente alcançável. É um fato científico que conhecemos mais sobre o espaço do que sobre as profundezas dos nossos mares, e explorar esse universo com o apoio de um CGI (imagens geradas por computador) lindo gera uma conexão ainda maior com a narrativa.


Jason Momoa traz um Aquaman ainda revoltado com Atlantis, já que sua mãe, que era rainha do reino, fora executada por amar um homem da superfície e dar vida a um mestiço. Quando seu irmão de “sangue-puro” está perto de conseguir os meios para declarar guerra à vida terrana, Arthur é forçado a embarcar numa jornada para evitar a morte de milhares de seres. O interessante aqui é que novamente não temos um vilão irracional que quer dominar o mundo. O Rei Orm (Patrick Wilson) não está fora da razão quando diz que a superfície está matando as águas. No entanto, sua lógica de resolução do problema é baseada em pressupostos falsos, os quais são apresentados e não se sustentam mais.


Na história do filme, Atlantis foi uma civilização avançada que tinha tecnologias extremamente poderosas, enquanto o resto do mundo ainda achava que a Terra era plana. Mas, devido a perda de conexão com o todo e uma ambição desenfreada, esse poder se voltou contra eles e o reino foi consumido pelas águas. Muitos morreram tragicamente – aqueles que sobreviveram tiveram seus corpos modificados em níveis diferentes, mas suas mentalidades não se afastaram do comportamento que os levou ao declínio.


O Rei Orm é a personificação da vibração romana, da força espartana. Ele segue a linhagem da nobreza que criou regras rígidas e que resolve seus conflitos morais com a violência assistida e celebrada dentro de um coliseu, com suas armaduras de metal. Essa frequência que não serve ao bem maior faz parte daquilo que não é mais sustentado.


Enquanto Mera (Amber Heard), a força feminina inabalável que move a narrativa, ajuda Arthur a escapar de uma Atlantis hostil, a produção explora todo o neon do ambiente aquático e, com a adição de uma trilha eletrônica oitentista, fica a lembrança do filme Tron. No clássico dos anos 80, um engenheiro de software é transportado para um mundo virtual onde precisa combater programas de computador que seguem padrões opressivos agindo de maneira egóica e que resolvem desacordos como gladiadores. Ao escapar de Atlantis, Arthur e Mera deixam essa mesma programação para trás.


A pirâmide do psicólogo Abraham Maslow demonstra a hierarquia das necessidades humanas, tendo a sobrevivência fisiológica em sua base e a realização pessoal livre de preconceitos e engajada com o empoderamento coletivo em seu topo. Ela demonstra a evolução da consciência humana e do conviver social. Todas as etapas são muito importantes, mas cada uma tem seu tempo. Como muitos blockbusters – principalmente os filmes de super-heróis – estão mostrando, nós finalmente chegamos no topo da pirâmide. Certa personagem afirma no filme: um rei luta por sua nação; um herói luta por todos. São de heróis que precisamos agora – e o mais legal é que qualquer um pode se tornar herói apenas alinhando seus pensamentos e ações.

A água representa o fluir da vida, a união do feminino e masculino como chave da Cadeia da Vida, a manifestação física da consciência. Arthur e Mera precisarão fazer o mais profundo dos mergulhos e chegar em território totalmente desconhecido para terem a oportunidade de provocar catarse pessoal e planetária. Essa missão prende nossa atenção na tela do cinema.

A trama funciona dentro do universo proposto pela DC, mesmo com algumas pequenas falhas de roteiro. O humor está presente, assim como uma carga emocional bastante forte. Aquaman faz pela DC o que Pantera Negra fez pela Marvel: traz à tona críticas sociais impactantes e mostra todo o poder, capacidade e beleza de uma cultura não muito explorada no entretenimento mainstream.


Por todos os conceitos e reflexões abordados no filme, resultando em um produto final de qualidade, damos a James Wan e seu Aquaman 5 cookies, além do cookie de ouro! Bora reunificar esses mundos, bora reprogramar essa grade. Somos uma coisa só.