Green Book é um filme de comédia e drama, dirigido por Peter Farrelly, roteirizado por Farrelly, Brian Hayes Currie e Nick Vallelonga, e distribuído pela Universal Pictures.

Baseado em fatos reais, a história trata do surgimento da amizade entre um negro e um branco em pleno período de segregração racial dos Estados Unidos de 1962, baseado nas entrevistas do pai de Nick com Shirley, além das cartas que foram enviadas à sua mãe.

Essa amizade surge de uma turnê musical na região de Deep South. O protagonista Tony Vallelonga (Viggo Mortensen, o Aragorn da saga O Senhor dos Anéis, lembram dele?), é um americano com descendência italiana (ítalo-americano) que trabalha como segurança em um clube noturno que entra em reforma. Durante este meio tempo Tony precisa de um novo emprego, fazendo de tudo para conseguir dinheiro para sustentar sua família, participando até de competição de quem come mais cachorro-quente! Em certo momento, Tony recebe uma indicação de um colega de um trabalho de motorista a um músico famoso que sairá em turnê. O músico em questão é o virtuoso Dr. Don Shirley (Mahershala Ali, atualmente muito conhecido por Moonlight e Jogos Vorazes), pianista de jazz clássico negro de alto poder aquisitivo, que tem várias apresentações marcadas no sul do país.

O elemento mais interessante de ser ressaltado aqui é que a Deep South (parte sul dos EUA), nesta época na década de 60, ainda estava aprendendo a se desligar do racismo, visto que o filme nos mostra vários exemplos de pura discriminação racial infundada. Desde de que Abrahan Lincoln aboliu a escravidão, a parte sul ainda manteve por muito tempo vivo o preconceito racial. Que feio! Portanto, o filme nos passa uma história e tanto ao trazer muita reflexão, observação e debate além da mera viagem entre duas pessoas de cores diferentes, o que nesse período já foi uma bela conquista!

O título do filme foi influenciado pela cartilha The Negro Motorist Green Book, informalmente chamado de Green Book, escrito por Victor Hugo Green. A cartilha é entregue por Shirley a Tony, que é um guia turístico para viajantes negros que mostra os lugares nos quais negros podem se hospedar pela Deep South, para assim ajudá-los a encontrar dormitórios e restaurantes favoráveis enquanto viajam.

Os lugares que acontecem as apresentações musicais são da alta sociedade. Tony se vê claramente descolado e leva chamadas de atenção de Shirley a respeito de seu comportamento truncado, como o próprio Tony se denomina: fanfarrão. Ainda, Shirley questiona a forma de Tony pensar sobre gostos e estereótipos, afirmando que a sua opinião sobre ele é muito superficial, com a frase: “Só porque um negro gosta de um tipo de música e comida, não quer dizer que todos precisam ser, ou são iguais”.

Com o passar da viagem Tony passa a observar mais e abrir seu coração para a forma de ver o chefe, com admiração, e analisa com gentileza que Shirley carrega em seu rosto a expressão facial de que está sempre refletindo sobre alguma coisa, como os gênios fazem. Ele também passa a questionar os momentos em que Shirley é alvo de preconceito, como no bar, na loja de terno, com os policiais de estrada e até no momento de usar um simples banheiro. Com todos os ocorridos e questionamentos, Tony passa a defender Shirley, agora seu amigo, com unhas e dentes, que também passa a ajudá-lo com a escrita, fala e modo de agir.

A inversão de valores apresentada na indústria Hollywoodiana é muito presente. Inclusive há um momento de reflexão muito forte em que o carro apresenta problemas na estrada e para ao lado de uma lavoura. Nela há negros trabalhando no arado que param o que estão fazendo para olharem curiosos Dr. Shirley vestido elegantemente em seu carro chique enquanto Tony mexe nos motores. Este momento é carregado de uma tensão emocional muito forte! Vemos olhares tristes dos trabalhadores e também o pesar no olhar de Shirley.

A história de como Shirley se torna o que é e do porque ele continua participando de apresentações musicais pelo entretenimento dos grandes eventos e teatros que o contratam, mesmo sendo alvo de constantes ataques racistas, quando revelada, causa comoção em qualquer um que esteja assistindo, pois é nesse momento que se encontra uma das mensagens mais bonitas do filme, a qual é a de que “não se deve julgar um homem pela roupa; ninguém vence nada com violência, mas com dignidade!”. O mundo está cheio de gente solitária com medo de dar o primeiro passo e Shirley foi quem deu a abertura a muitos primeiros passos de mudança!

Há algumas abordagens na obra de determinados estereótipos raciais que não são muito conhecidos no Brasil, mas que são óbvios para os americanos, como o frango frito. Comumente, e pejorativamente, conhecido no passado como “alimentação básica dos escravos negros”. Isso nos faz refletir sobre a identidade visual da rede de frango fritos “KFC” que leva até hoje em sua logomarca o Coronel Sander referindo-se ao “patrão branco” que liderava a produção do alimento realizada por escravos, ainda que a imagem também seja um estereótipo e a KFC fundada décadas após a abolição da escravatura.

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Os reais Tony & Shirley cultivaram uma grande amizade, tendo ambos falecido em 2013.

O filme mantém viva a memória de eventos de uma época que muitos tentam esquecer, visto a sua inconveniência. Contudo, deixa claro que mesmo em meio a um mundo de preconceitos injustificáveis, existem pessoas boas e histórias lindas de pessoas corajosas como a do Dr. Don Shirley, pois como é mencionado no filme: “não basta ser gênio, tem que ter coragem para mudar o coração das pessoas”. E como o elenco alegrou em discurso durante o Globo de Ouro (no qual ganharam nas categorias “Melhor Roteiro” e “Melhor Ator Coadjuvante”), ainda vivemos em uma época de muita divisão. Porém, nós apenas precisamos conversar e buscar as nossas semelhanças!

Dr. Don Shirley x Mahershala Ali

Classificação de 4 cookies e meio, e palpites de que levará algumas estatuetas douradas no dia 24 de fevereiro!

 

[BÔNUS]

Apreciem as canções de Dr. Don Shirley disponíveis no Spotify: