Há 20 anos, Dana Scully foi enviada para um porão nos confins do prédio do FBI para supervisionar o trabalho de Fox “Spooky” Mulder — e assim começava Arquivo X. De lá pra cá, tivemos insetos verdes que nos fizeram dormir de luz acesa durante meses, mutantes, videntes, bonecas assassinas, realidades virtuais, prédios assassinos, clones, dias repetidos, entidades assassinas, MUITA conspiração governamental, dois filmes e, claro, ALIENS.

E pra comemorar essa data tão querida, Chris Carter conversou um pouco com o JUDÃO sobre a série em uma entrevista EXCLUSIVA feita por telefone. Começamos com o mais importante: Será que depois desse tempo todo, Mulder e Scully ainda estariam juntos? Ou eles já teriam cansado um do outro? Carter não tem nem que pensar sobre o assunto. Ele diz que os dois estavam destinados a ficar juntos, e é assim que eles estariam hoje. Demorou quase uma década, mas acho que valeu a pena, né?

xfiles2

A Long Time Ago…
Antes de criar a série que virou uma das influências mais poderosas da televisão, Chris era um jornalista que trabalhava na Surfing Magazine. Sim, uma revista sobre surf! – e ele trabalhou lá durante 13 anos. E quando perguntamos qual era o emprego ideal pra ele naquela época, sua resposta foi “Esse era o emprego ideal“. Ele curtia viajar pra lugares paradisíacos e escrever sobre isso – embora o Brasil nunca tenha entrado no seu itinerário.

Parece algo bem distante de se tornar um roteirista de televisão, mas Carter afirma que a transição foi bem orgânica. Ele diz que a narrativa também faz parte do jornalismo, e que é só uma questão de explorar essa área de uma maneira diferente. E se você já ouviu dizer que ele não era fã sci-fi antes de criar a série, pode saber que isso é mentira. Ele diz que nunca foi um “sci-fi geek”, assim por dizer – pois ele não assistia a Star Trek e coisas do estilo. Ele gostava de coisas mais macabras como Além da Imaginação e, principalmente, Kolchak e os Demônios da Noite – o que fica bem aparente em vários episódios…

The X-Files
Eis um fato curioso: quando Carter mostrou a ideia da série pra Fox, eles rejeitaram o projeto. Foi necessário uma segunda reunião pra levar a história em frente, mas ele não teve muito o que mudar do roteiro original, apenas incrementar alguns elementos. “Era um programa diferente de qualquer coisa na TV. E eu não era uma pessoa de destaque. Então tinham dois fatores contra mim – eu estava mostrando algo novo e eu mesmo era novo“.

Com uma abordagem mais completa, a série ganhou “luz verde” pra começar a ser produzida. E como qualquer fã de Arquivo X sabe, o seriado não é famoso só pelos episódios centrados na mitologia principal, mas pelos independentes que possibilitam fazer praticamente qualquer coisa. Acho que o melhor exemplo disso é o episódio 5o da 5a temporada, chamado The Post-Modern Prometheus, que é basicamente uma versão moderna de Frankenstein – só que filmado em preto e branco, com algumas características de HQs e com músicas (e um show) da Cher. É bizarro. E é massa pra caramba 😀

Considerando que esse é um dos “fillers episodes” mais legais e que foi Chris Carter quem o escreveu e dirigiu, não dava pra passar sem perguntar sobre ele. Carter diz que a ideia começou quando a Cher e a atriz Roseanne Barr falaram pra ele que eram fãs do programa e queriam participar. Então ele escreveu o episódio achando que as duas fariam parte das gravações. Ele também sempre quis fazer uma história de Frankenstein, mas no estilo de James Whale – por isso o preto e branco. E a parte do “moderno” é devido ao fato que a parte científica da trama veio do consultor de ciências do programa, e era relacionado com experiências genéticas. Toda essa mistura fez com que o episódio tenha sido um dos mais memoráveis da série – inclusive sendo indicado e ganhando alguns prêmios. O interessante é que nem Cher nem Barr estavam disponíveis pra filmar o episódio, mas deu tudo certo com uma atriz substituta e uma dublê de corpo da Cher.

Esse também é um dos episódios favoritos de Chris, por causa do final envolvendo Mulder e Scully. Depois de resolver todo o problema na cidade, os agentes levam o “monstro” pro show da Cher — “o que descrevendo parece ridículo”, segundo Carter. Eles levantam e dançam juntos, o que pra ele é um momento perfeito na série toda, capturando o romance dos dois personagens. Muito amor, né gente?

xfiles3

Arquivo X mudou o cenário em questão da qualidade de produção de um programa de televisão e no estilo das histórias sendo contadas. Mas, além disso, a série mudou o cenário ao tratar de personagens femininas. Dana Scully era uma mulher inteligente, independente e forte, algo que não era muito visto na TV até os anos 90. Ela foi um ícone feminista na época, e continua influenciando várias outras personagens. Pra Carter, esse é o tipo de mulher ideal pra ele: “capaz, opinativa, forte e convicta”.

Ele tinha essa ideia na cabeça, mas uma certa agente do FBI interpretada por Jodie Foster nos cinemas foi fundamental pra sua criação. “Sem Clarice Starling você não teria a Dana Scully que conhecemos”, disse. Mais uma razão para amar Silêncio dos Inocentes! Mas e na televisão atualmente, há alguma personagem parecida com Scully? Segundo ele há todos os tipos de personagens fortes – e que as mais interessantes pra ele não são apenas as fortes, mas as que possuem alguma desvantagem. Carter menciona Claire Danes em Homeland, por exemplo. “Ela tem uma fraqueza, além de uma grande força. Então estamos vendo personagens dinâmicas e defeituosas altamente assistíveis”.

The Truth is STILL Out There
Temos ouvido muito sobre o tão esperado terceiro filme da franquia, e acho que já está bem claro que todos são a favor de fazê-lo, mas tudo depende da Fox. No entanto, se o filme FOSSE acontecer, nós realmente teríamos o aspecto da colonização alienígena? “Considerando o segundo filme, nós sabemos que as pessoas realmente querem ver a parte da conspiração e da mitologia – um tipo de continuação do primeiro filme. Então eu acho que é isso que nós faríamos num novo filme”.
OBRIGADA por perceber isso, Chris. Vou tomar essa afirmação como uma desculpa pelo filme de 2008 🙂

David Duchovny and Gillian AndersonSe em todo o caso esse filme nunca for realizado, você ainda verá o nome Chris Carter por aí — possivelmente na Amazon e na AMC. A Amazon está tentando virar uma plataforma similar à Netflix, e eles já começaram suas produções originais (ver Zombieland). The After estará no seu front, e terá uma trama no estilo de Revolution – algo aconteceu, mas ninguém sabe exatamente o quê. Desmentindo que a trama se passa NO MOMENTO de um apocalipse, Carter ainda revela que o elenco já está sendo escolhido e que ele está animado em trabalhar com esse tipo de produção. Assim como séries originais da Netflix, a Amazon está planejando disponibilizar a temporada toda de uma vez só.

E se o apocalipse – ou algo parecido com isso – está em The After, a vibe de trust no one está num projeto misterioso da AMC. Carter confirma que ele está escrevendo um roteiro baseado em um livro – ele inclusive havia entregado o segundo rascunho do piloto e estava esperando resposta do estúdio no dia da entrevista (05/09). Haverá muita da conspiração governamental vista em Arquivo X, mas ele não elabora mais sobre o assunto por ser supersticioso. Nós também perguntamos se havia a possibilidade de uma nova parceria com Vince Gilligan (criador de Breaking Bad, que também trabalhou em Arquivo X). Pra nossa infelicidade, Chris diz que Gilligan já partiu pra outro projeto próprio com o final de Breaking Bad. Mas ele também disse que os dois se encontram de vez em quando, então fica a esperança…

Para finalizar a entrevista, falamos um pouco sobre o “fazer” da televisão atualmente, com produções com um orçamento gigante e uma temporada curta, como Game of Thrones. Não seria mais fácil produzir Arquivo X hoje em dia? Ele afirma que é sempre um desafio pegar os recursos oferecidos e transformar em algo original e visualmente interessante. Então não significa necessariamente que os programas ficaram maiores devido a orçamentos maiores – até porque a produção custa mais atualmente. Cada episódio de Arquivo X custava um pouco mais de um milhão de dólares, e esse preço subiu três ou quatro vezes nos últimos anos. Ele pode fazer muita coisa original na série e acha que não seria tão diferente se fosse um projeto atual. Mesmo assim, ele fica feliz por haver um investimento maior em seriados, porque finalmente a televisão atingiu em vários aspectos a demanda que histórias feitas pro cinema requeriam.

Aí está. Vida longa à televisão!

Mulder e Scully ainda estariam juntos, a qualidade do seriado seria a mesma atualmente e provavelmente veremos novos projetos de Chris Carter por aí. Então que tal comemorar os 20 anos de Arquivo X reassistindo as temporadas? Ou pelo menos só aquele episódio bizarro com as músicas da Cher? A data da colonização alienígena já passou, mas é sempre bom ficar de olho.

xfiles5

Entrevista feita para o JUDÃO em 17 de Setembro de 2013