AVISO: essa crítica contém spoilers.

Baseado no livro “A Vida Invisível de Eurídice Gusmão“, da autora Martha Batalha, A Vida Invisível é um dos filmes brasileiros que foi escolhido para representar o país no próximo Oscar na categoria de Melhor Filme Estrangeiro. Do gênero romance dramático, conhecemos a história de duas jovens irmãs, Eurídice (Carol Duarte) e Guida Gusmão (Julia Stocker), que são descendentes de portugueses e moram no morro do Rio de Janeiro dos anos 50, cidade que naquela época era considerada a capital do Brasil.

Elas são separadas uma da outra e passam a vida tentando se comunicar e se reencontrar. A separação se dá em uma noite em que Guida sai escondida de casa e foge do país com um grego que trabalha na marinha, Yorgus (Nikolas Antunes). Enganada por ele, Guida retorna ao país arrependida. Porém, desde a noite em que fugiu, nunca mais conseguiu encontrar ou se comunicar com sua irmã.

Em um período sem internet e comunicação facilitada, a forma de contatar as pessoas era lento e por meio de cartas. A percepção de vida era completamente conservadora na qual a maioria das mulheres era criada para casar e cuidar do lar. Poucas seguiam a carreira acadêmica e muito menos seus sonhos. A expectativa de vida não era muito alta, assim como os recursos de sobrevivência eram muito limitados e até mesmo um tanto prejudiciais.

Eurídice queria ser pianista profissional e Guida queria conhecer o mundo. Guida foge com um estrangeiro e é deixada na mão, grávida, cuja única solução é voltar ao Brasil. Ao retornar para a família é deserdada e abandonada por ordens de seu pai, Manuel (António Fonseca). É muito doloroso ver a dor da mãe, Zélia (Maria Manoella), em ver a filha sendo abandonada, sem poder dar uma palavra, opinião e carinho, intenções que apenas escorrem por seus olhos ao ver a cena. É o retrato de um tipo de comportamento machista da época, um absurdo, mas infelizmente era muito comum. Era a figura de paternidade e superioridade masculina que dominada, e havia uma tremenda desigualdade quando comparada com a posição feminina, especificamente nesse caso a mulher da família, do lar.

Ainda, por ficar desgostoso e envergonhado com o “ultraje”, de Guida, ao retornar sem marido e grávida para casa, o pai passa a esconder as filhas uma da outra: esconde Guida de Eurídice mentindo que ela jamais voltou, e esconde Eurídice de Guida mentindo que ela seguiu seu sonho de estudar no conservatório de piano em Viena.

Mais absurdo que isso – pois é, piora! – é o fato das cartas que Guida envia para a casa da família, remetidas a Eurídice, serem escondidas e nunca serem entregues. Cartas como um desabafo de sua vida, que chegam nas mãos de Eurídice apenas em sua velhice, emocionalmente interpretada por Fernanda Montenegro, quando se torna viúva, escondidas primeiro pelo pai e depois pelo marido.

Nessa sociedade conservadora, as personagens femininas refletem o quão invisíveis as mulheres eram nessa época. Em sua maioria fadadas a serem submissas de relacionamentos arranjados, dependentes de uma figura masculina para realizar qualquer coisa e vivendo uma vida sem amor. Um exemplo é a situação em que Guida, ao ser uma mãe solteira, passa por dificuldades em tirar documentos para o filho, pela dependência da assinatura de um pai ausente que vive em outro país. Um requisito completamente desnecessário das leis da época, uma vez que deveria permitir com a simples assinatura de um responsável, que nesse caso é a mãe.

Guida representa o sofrimento de inúmeras mães solteiras da época que precisavam se virar com frustrações e dificuldades para cuidar um filho e cuidar de si mesma. A falta de informação e o regime familiar da época também é refletido diretamente no sofrimento da vida dela. Assim como da irmã Eurídice, que ao se tornar a “dona de casa exemplar”, reflete em seu olhar atitudes de desespero no desejo de reencontrar Guida, cujas cartas estavam o tempo todo escondidas pelo pai e pelo marido.

É devastador ver as duas irmãs envelhecendo e desistindo de seus sonhos individuais para viver uma vida em silêncio, unicamente para a família, mas de forma triste e sem se verem nunca mais. Elas não puderam ser donas de suas próprias vidas. Temos que ser muitos gratos nos dias atuais por termos inúmeros recursos de comunicação com pessoas do mundo todo e por poder estar perto e viver com essas pessoas. Este filme deixa uma sensação dolorida perante aos anos de desencontros das irmãs. Um conselho que damos a você leitor é: se há alguém que você tem carinho e não fala a muito tempo, mande um “oi”, marque um café, etc. Se não for possível, pelo menos diga um “eu gosto de você, tenha um bom dia!”. E se há familiares que tenha havido alguma desavença do passado, converse, perdoe. Não deixe a vida passar e o contato se perder.

“As melhores coisas da vida não são coisas, são pessoas. São os momentos que passamos juntos, um olhar, uma palavra, um abraço. Um pôr do sol em excelente companhia. Uma conversa interminável, ou aquele silêncio que diz tudo.”.

Via site Cartas de Carolina.

Como nota, o filme conquista a quantia de 3,5 cookies melancólicos pelas reflexões geradas.