Aves de Rapina – Arlequina e sua Emancipação Fantabulosa é o filme no qual a personagem principal é a Arlequina (Margot Robbie), em sequência de Esquadrão Suicida (2016 – confira nossa crítica nesse link). Dirigido por Cath Yan e roteiro de Christina Hodson, o filme conta com uma imensa produção unindo em sua grande maioria mulheres de todas as etnias, super inclusivo, e com muita ação, roupas doidas e mulheres literalmente colocando tudo pra quebrar.

A história mostra o fim do namoro de Arlequina com o Coringa, dos momentos de desespero pós rompimento às etapas de superação. O rompimento que fez bem para a personagem. Acompanhamos desde os primeiros passo do desapego, busca de uma nova identidade e libertação, em que ela se torna independente do relacionamento. Tendo então a sua “Emancipação Fantabulosa” como o subtítulo do filme apresenta.

Temos no geral personagens femininas duronas, de personalidades fortes que refletem os aspectos de suas origens e convivências do “lado b” de Gothan City. Cometem erros e possuem defeitos. São subestimadas, mas não são menos importantes por isso. Diferente de Esquadrão Suicida em que a história e os personagens se misturam, e ainda com um roteiro um tanto atropelado, as componentes do grupo Aves de Rapina, que ganham este título mais para o final, foram encaixadas na história de forma interessante. Ainda, para a nossa sorte, faz muito mais sentido do que a forma em que Esquadrão Suicida foi conduzido. Houve o cuidado de mostrar as motivações das personagens, que acabam sendo intercaladas com a jornada da Arlequina, essa que é a principal personagem e está diferente da que vimos anteriormente, em especial pela libertação da co-dependência emocional que sempre teve com o personagem Coringa e que como sabemos é um relacionamento tóxico. O relacionamento dos dois vai e volta através das décadas de quadrinhos e animações contadas, mas segundo filme o término agora é para sempre mesmo. Ela mesma admite essa situação desagradável, e no filme, além de ser a estrela, ela está arrasando!

“Cheguei chegando!”

Após o rompimento, catarses e situações pessoais, Arlequina divaga questiona o seu papel na vida – há uma psicóloga por baixo de toda loucura, a Drª. Harleen Quinzel lembram? – falando do arquétipo de origem da sua “identidade secreta” (?!): o Arlequim! Este cuja função é servir, que sem um mestre ou uma platéia ele não é nada, e que ninguém liga para o que são fora isso. Ao verbalizar esse questionamento ela acaba em apuros, pois enquanto estava com o Coringa, estava sob sua proteção, possuindo certa imunidade no meio mafioso. Agora, sem essa proteção, tudo vai por água a baixo quando a máfia descobre do término em paralelo com a busca de um diamante, pois essa missão (e tretas) unem as personagens, entre muitas cenas de ação.

Há, claro, alguns tons engraçados vindos da própria Arlequina. Vale lembrar um pouco mais da origem do arquétipo do Arlequim. Ele vem de uma sátira de costumes na Itália ao lado dos personagens Pierrô e Colombina. Os três são se um estilo teatral conhecido como Commedia dell’Arte, sendo também são conhecidos como personagens de carnaval (via Super Interessante). O Arlequim também tem a função de divertir o público durante intervalos de espetáculos. Outra referência são os losangos presentes nos trajes, comumente vistos nas roupas e tatuagens de Arlequina.

Pierrô, Columbina e Arlequim
Losangos característicos do Arlequim no design de produção da personagem Arlequina

Arlequina, como é de conhecimento de alguns, apresenta alguns distúrbios psicológicos. Na vida real seria o Transtorno de Personalidade Dependente (TPD), cujo um dos sintomas é a dificuldade e fazer as coisas por conta própria diante do medo de discordar e perder aprovação, como voluntaria-se para fazer coisas desagradáveis pelo Coringa, e não por ela, como ela mesma menciona. Ao mesmo tempo que é “doidinha” é uma personagem cheia de carisma, bom humor, e que da maneira dela está tentando ser melhor. As demais integrantes do grupo Aves de Rapina também são assim, Todas, no íntimo, estão buscando algo, independente de seus defeitos. Devido a estas camadas de realismo que as personagens carregam que acredito que há uma grande quantidade de pessoas que se simpatizam e se identificam com elas.

Há nuances do feminismo espalhados por todo filme em paralelo com a realidade, através de comportamentos e em situações em que as personagens enfrentem. Como machismo, leve exposição de atos desrespeitosos, e em momentos em que algumas pessoas dizem em tom de brincadeira algo preconceituoso e nem percebem o quanto magoaram a pessoa alheia. Como disse o próprio Ewan Mc Gregor, que interpreta o vilão Máscara, dono do bar dos mafiosos, em coletivas de impressa: “Para acabar com o machismo é preciso educar os homens. Os atos de violência são expostos de forma enfática na ficção, para incomodar e chamar a atenção a algo que existe, e que pode ser muito pior na realidade, tal qual o filme “O Escandalo“, por exemplo, que trata de assuntos desconfortáveis, mas com abordagens reais sobre desrespeito em ambiente de trabalho (confira nossa crítica nese link). Inclusive no elenco também temos a presença de Margot Robbie cuja personagem representa qualquer pessoa que possa ter sofrido algum tipo de assédio e não consegue lidar por ser difícil e doloroso. Porém, quando Margot é Arlequina, ela supera e chuta o balde mesmo! Haha!

Uma das mensagens do filme não é apenas o fato de compor, em grande maioria, um elenco feminino desde a produção, bastidores e protagonistas, mas pela união feminina em um momento que, segundo Arlequina: “Se nós não nos unirmos, nós vamos morrer.”, e também pela história tratar de mulheres que não são perfeitas e não merecem menos respeito e empatia por isso. Se aceitar e seguir em frente é mais difícil do que ser aprovado por alguém, que traz a falsa ilusão de que aprovação alheia trará felicidade.

Ser mulher neste mundo transitório entre sua emancipação(aceitação) é árduo e injusto. Amemos umas as outras. Solidarizemo-nos com nossas falhas, pois somos humanas e desejamos a cada dia mais sermos apenas compreendidas, amadas e felizes. Isso é um direito divino o qual não pode ser furtado de nós. Somos seres divinos e inserimos todos os dias na humanidade nossa tolerância, solidariedade e principalmente amor.

Via Sementes da Estrelas

Visualmente é um filme super colorido com figurinos muito diferentes, interessantes e divertidos. Em partes um tanto de Pop Art em ação, das cores à maquiagem, na própria Arlequina e em grande parte dos materiais gráficos.

Quanto ao material gráfico, são sensacionais! Um pôster traz uma paródia com uma das obras mais famosas na História da Arte. A inspiração e referência foi o famosíssimo “Nascimento de Vênus”, de Sandro Botticelli. Não por acaso a obra se encaixa no período do Renascimento, movimentos artístico que marcou a chegada de uma nova era que “salvaria o ser humano” das trevas e da escuridão no período medieval. Isso combina bem com o pós esquadrão/relacionamento com o Coringa, e com a emancipação de uma nova Arlequina agora. Além de que um dos simbolismos da obra “Nascimento de Vênus” é a renovação.

“Nascimento de Vênus” – Renascimento – Sandro Botticelli
Pôster de Aves de Rapina

Há diferenças e adaptações com os quadrinhos? Claro que há, e isso já é esperado, e comum em grandes produções cinematográficas, assim como o não aprofundamento de poderes e referências mencionadas sutilmente, mas todas as alterações e adaptações ficaram ótimas! Até porque, de verdade, não é isso que importa, pois a mensagem precisava ser passada da forma com a qual foi adaptada. E foi um sucesso!

Para finalizar, não podemos deixar de elogiar a introdução em animação, narrada pela própria Arlequina, unida aos efeitos visuais. Damos a note de 3 cookies e meio para a Arlequina distribuir para cada Ave de Rapina, e meio para a pequena Cloe. Não tem cena pós crédito, apenas uma narração zoeira para os que ficarem até o final. Afinal de contas… é a Arlequina!