Dora, A Aventureira é uma animação produzida pelo canal a cabo Nickelodeon. O primeiro episódio foi ar em 1999. A parte da comunicação visual do desenho é bastante educativa, contendo várias interações com o telespectador. O roteiro costuma ter um problema/desafio no início do episódio, que é resolvido ao decorrer da história através das interações com cores, ilustrações, música, lições e até menção em outros idiomas. A protagonista, Dora Marques, é uma menina de 8 anos que está sempre em aventuras e viagens resolvendo enigmas e mistérios, estes que com teor educativo e interativo. O filme de 2019 – Dora e a Cidade Perdida –  é a versão live action (com atores e realismo) lançado para o cinema pela Paramount Players & Nickelodeon Movies. O filme inicia com ela criança, mas o foco é a aventura da personagem quando adolescente.

Dora (Isabela Merced) vive na selva com seus pais professores e exploradores arqueológicos. Sua educação é domiciliar e seu passatempo favorito é brincar na floresta com seu primo Diego (Jeff Wahlberg) e o macaco de nome Botas. Juntos usam a imaginação e exploram a criatividade do imaginário infantil, conectando com elementos antropomórficos que aparecem no desenho: o mapa e a mochila falante. Há também pequenas interações educativas com o expectador e trechos falados em outros idiomas, como na série animada.

Quando a família do primo se muda para a cidade, ocorre a transição da protagonista da juventude para a adolescência, mas que continua explorando a floresta com Botas registrando momentos com uma mini câmera. Dora se diverte da forma mais pura e autêntica, de alguém criada na base de ensinamentos de amor, respeito e consciência ecológica. Seu primo Diego perdeu um pouco dessa pureza ao mudar-se cedo para a cidade, apresentando-se nos primeiros momentos como uma pessoa triste e um tanto rabugenta, diferente de quem era quando criança quando brincava na selva.

As aventuras de Dora no “grande quintal” de casa precisam tornar outro rumo quando os pais saem em uma expedição em busca de “Parapata – cidade perdida do ouro” dos Incas no Peru. Então a aventura de Dora é encarar a cidade, estudar com os “nativos”. Mesmo com receio por nunca ter tido outro amigo que não fosse Diego e os animais da floresta, uma nova aventura começa para a protagonista.

Mãe: Vá fazer amigos, isso sim é explorar.
Dora: Eu não sei fazer isso!
Mãe: É só ser você mesma.

Dora é gentil, otimista, bondosa e chama a atenção com sua inteligência: em especial em três ocasiões já no seu primeiro dia de aula na escola.

A primeira, quando encontra pela primeira vez seu amigo Samy (Madeline Madden) em uma lojinha que vende cupcakes para arrecadar doações para ajudar a salvar as florestas, em especial a mata atlântica, e Dora argumenta que pecuária e agricultura são as maiores ameaças para as florestas, e que com preservação e cuidado com uma alimentação vegetariana é possível salvar a natureza.

A segunda, quando na sala de aula ela levanta a mão ao mesmo tempo que Samy, sendo as únicas alunas a se manifestarem. A professor pergunta sobre o livro Moby Dick, obra de Herman Melville.

Interessante a preocupação com as florestas virem à tona uma vez que este assunto está sendo muito debatido, em especial aqui no Brasil a respeito da floresta Amazônica. Assim como igualmente interessante a inserção do livro Moby Dick, que já teve mais de uma adaptação para o cinema. Obra na qual a trama gira em torno de seres marinhos e do oceano, cujo cenário principal é… a água. Algo igualmente importante na vida de todos os seres vivos, assim como as florestas e demais elementos naturais.Estes que são alguns dos assuntos em maior destaque em Dora e a Cidade Perdida. Este momento sutil do filme, durante a aula e o debate do livro Moby Dick, simbolizando a água é quase como uma pequena dica do maior bem em questão na trama.

E a terceira, quando na festa a fantasia da escola, cujo tema era “Vista-se como o seu astro favorito”, a Dora se fantasia de Sol e seu colega, que a admira e na sequência vira seu amigo – Randy (Nicholas Coombe) – vai de Hidrogênio. Ambos gostam de Astronomia e mencionam que hidrogênio é o elemento presente em todas as estrelas, assim como no Sol. Logo o “astro” favorito de Dora não é um cantor ou ator, e sim a fonte de energia mais poderosa do sistema solar.

Claro que nem todos estão abertos a um nível de compreensão e consciência para observar e entender estes detalhes por trás de um nível de espontaneidade. Especialmente no ensino médio e no meio de adolescentes em que tudo fora do “normal” é visto como bizarro e às vezes vergonhoso. O que faz com que Dora seja vista de forma diferente, como uma estranha na festa, e com o passar dos dias seja rejeitada pelo primo Diego, sentindo-se sozinha e questionando para os familiares se ela é realmente estranha. A verdade é que ela é tão inteligente, pura, otimista, bondosa e cheia de luz que isso incomoda quem gostaria de ser assim ou age de forma competitiva lidando com estas forças de forma contrária numa vibração negativa.

Dora: Eu não me sentia sozinha nenhum dia quando morava selva, e agora que estou rodeada de pessoas na escola, eu me sinto muito sozinha

Voltando aos pais de Dora, que foram em busca de Parapata, a alguns dias eles deixam de se comunicar com a filha. Quando a escola leva os alunos para uma visita ao museu natural, e é lançado uma atividade de caça ao tesouro, a equipe de Dora é raptada por mercenários caçadores de tesouros, para rastrearem os pais dela e a localização de Parapata, e é aí que começa a dinâmica na selva cheia de cores, fotografias belíssimas e mais lições educativas de fatos históricos reais sendo mencionados ao decorrer da exploração. Como o ciclo da borracha e da genialidade dos Incas. O ciclo da borracha é mencionado quando um dos caminhos para Parapata atravessa resquícios de um teatro no meio na selva construído pelos europeus neste período. Resquícios de uma tentativa frustrada de dominar a floresta com caprichos do homem, que como mencionado pelos personagens: “Os europeus podem ter construído, mas a selva tomou de volta o seu espaço”.

Sobre os Incas… ah quantas coisas incríveis aparecem neste filme. Relembrando um pouco, o Império Inca, localizado na região do Peru na América do Sul, foi um povo nativo cujos talentos envolviam agricultura, arquitetura e engenharia, mesmo em um período tão arcaico, cerca de 1200 antes de Cristo. Eram adoradores do Sol e possuíam fartas quantidades de metais preciosos como bronze, prata e ouro, que despertou cobiça e ganância dos conquistadores. O filme mostra um pouco dessa riqueza, mas em especial na parte de engenharia como incrível sistema de irrigação de água em uma caverna, perspectiva arquitetônica, geometria, proporção áurea e ângulo 51,8 graus. Assim como a sabedoria com base em constelações e valorização dos recursos naturais.

(…) O balanço matemático do Cosmo está entre a matéria e a antimatéria e eles podem ser representados por uma estrutura geométrica perfeita num ângulo de 51,8 graus, o mesmo ângulo que foi usado na construção da Grande Pirâmide, possuindo também 144 facetas de mesmo comprimento. Dessa forma, o código contido na espiral áurea de todos os átomos do universo contém também 144 facetas. Essa precisão de medidas matemáticas informadas pela nossa ciência nos dá a informação de como é perfeito o maestro dessa sinfonia chamada Vida. A antiga Tradição mencionava a Divina Proporção com fonte inesgotável do saber, fatos que, atualmente, o homem não faz o mínimo esforço para aprender com essa fonte de mistério. (…)

Proporção áurea é a chave para a nova consciência” – via Hierophant

Em meio a cores, música, ação e aventura, Dora e a Cidade perdida traz sutilmente a valorização da cultura latina, do papel do pesquisador e a consciência de preservação da natureza. A trama e a aventura, assim como o roteiro foi executado, me lembrou a coleção de livros infanto-juvenil “Salve-se quem puder”, da Editora Scipione. Em especial o título “Em busca do templo perdido”, recheado de “enigmas da floresta” e interatividades através das páginas em que o leitor gradativamente chega no resultado no mistério final.

Assim como nos livros da coleção “Salve-se quem puder”, a imaginação é explorada e apresentada em determinados momentos, como o Mundo das Ilusões, quando os personagens se transformam em desenho ao tocar em uma planta exótica. Seria ela alucinógena, como as papoulas em O Magico de Oz? O formato animação se esvai quando Dora acorda do outro lado do campo de flores. Seria algo que aconteceu na mente dela, em outra dimensão, ou uma referência a Dorothy Gale em um momento de fraqueza, mas próximo ao seu objetivo? De qualquer forma, a homenagem ao desenho ficou muito divertida e com certeza as crianças irão gostar.

Ainda, fica o pensamento a respeito dessas inserções em desenho aos adultos, pois dentre os mercenários há uma raposa que o tempo todo se apresenta como uma animação. Uma raposa antropomórfica agindo como um humano, adulto e mercenário. Uma escolha possivelmente baseada no significado do arquétipo da raposa que traz em seus conceitos a esperteza, camuflagem e a saída para a caça. No desenho o personagem “Raposo” aparece quando tenta roubar algum artefato de alguém. Outro arquétipo presente é a figura do macaco como o mascote de Dora, Botas, e como estátua de ouro dentre os deuses Incas. A manifestação simbólica deste arquétipo é da inteligência, bom humor, alegria, agilidade, generosidade e ensinamento. Personalidades presentes em Botas como Alegria em acompanhar Dora, Inteligência em ajudar a equipe escapar dos mercenários e Ensinamento quando este fala com Dora quando ela precisava ouvir algo sábio e motivador.

Sobre Diego, primo de Dora, os acontecimentos e a reconexão com o ambiente da Selva quebram suas barreiras criadas em torno dele mesmo fazendo com que ele aja de forma mais fluída e leve. Assim como ele era na infância! Mais um filme que traz nas entrelinhas a importância de nunca deixar a criança dentro de vocês morrer e ser como você realmente é, em vez de criar máscaras e filtros para ser aceito.

Ao longo desta grande aventura recheada de desafios de convivência, caráter e sobrevivência, até Samy – que era uma pessoa solitária e ácida, e que sentia ameaça pela luz de Dora, achando que o maior desafio do mundo era ser a melhor do ensino médio – percebe uma nova perspectiva ao entrar em contato com a natureza e o trabalho em equipe, em como agir com os outros e consigo mesmo. Não é preciso competição e “armaduras em torno de si”. As descobertas “fora da caixa” podem ser mais interessantes que os padrões quadrados tradicionais. Se há algo que valha a pena curtir nesta idade são as múltiplas descobertas que podem ser feitas e compartilhadas com os amigos. Adolescência é uma fase confusa, mas com amigos tudo é possível e mais divertido.

(…) Sabemos que é difícil às vezes ser simpáticos com estranhos, mas na verdade estranhos são apenas pessoas que vocês ainda não são íntimos. Tratem todas as pessoas com o mesmo respeito, amor e bondade – que elas saibam que através de suas ações e palavras que vocês as consideram com valor. Uma vez que vocês são benevolentes com outras queridas almas, vocês descobrirão um poço de alegria se abrir que encherá seu coração com um transbordar de felicidade. É bom fazer o bem para alguém. Um pequeno ato de bondade pode significar o mundo para alguém que está tendo um dia ruim ou passando por um momento difícil. (…)

Descobrindo o seu Poço de Alegria” – via Sementes das Estrelas.

Por tudo isso, Dora e a Cidade Perdida leva 4 cookies! Esse é um filme para entreter e educar de forma lúdica as crianças criando conscientização sobre questões ecológicas e históricas, mas também aos adultos trazendo em forma de filme, diversão e lembretes importantes através dos olhos de uma doce menina que diz: “se acreditar em você, tudo é possível!”, pois na vida somos todos exploradores, não caçadores, e conhecer novos lugares é o nosso tesouro. Os verdadeiros tesouros valiosos do planeta Terra são os recursos naturais! As matas, o ar, e principalmente nosso ouro azul: a água, que bem, não irei entrar em detalhes sobre ele, pois é a parte mais emocionante da obra =)