A franquia d’O Caçador é algo que continua me frustrando. O filme é esteticamente fantástico, o potencial do tema é enorme, os atores são top (pelo menos a maioria), e, mesmo assim, alguma coisa sempre dá errado. Na minha opinião, o grande revés de Branca de Neve e o Caçador é a escolha da atriz para interpretar a personagem-título – Kristen Stewart (confira aqui a crítica). Ela deveria conseguir passar o lado frágil e corajoso da Branca de Neve, o que não acontece. Principalmente quando ela enfrenta sua grande inimiga, a Rainha Ravenna. Em questão de interpretação e carisma (mesmo pelo lado negativo), Stewart não chega nem perto do trabalho feito por Charlize Theron. Por isso, quando foi anunciado um novo filme com o elenco original tirando Stewart e adicionando Emily Blunt e Jessica Chastain, eu achei que teríamos um obra tão boa quanto ela poderia ser. Mas, novamente, algo deu errado.
Em O Caçador e a Rainha do Gelo, a trama foca mais na irmã de Ravenna, Freya (Blunt). O filme serve como prequel e sequel da história anterior, tratando dos eventos com Ravenna e Freya antes da fuga de Branca de Neve e o que acontece depois que Ravenna é morta. Também aprendemos sobre a origem do Caçador, assim como a sua esposa, Sarah (Chastain). O diretor decidiu que gostaria de criar um ambiente mais leve, já que o sombrio e tóxico são características do reinado de Ravenna. A decisão faz sentido (como a diferença do tom dos filmes de O Hobbit e Senhor dos Anéis), no entanto, como veremos outras vezes na sequência, a maioria dos fatos que fazem sentido na trama, é o que deixa o filme ruim.
Embora a estética continue bonita, o tema “gelado” não possui tantos contrastes e beleza comparado ao “tóxico” do primeiro filme. A personagem de Blunt não é tão bem cuidada esteticamente quanto a de Theron foi (não tem como esquecer as cenas de Theron emergindo da “banheira de leite” e da “poça de petróleo”). Freya é a inimiga da vez, mas, infelizmente, sua presença não é tão marcante quanto a da sua irmã. E, falando em parentes, vale lembrar que em Branca de Neve, Ravenna possui um irmão, e não há menções de outros entes vivos. Esse é um gap da trama que até pode ser desconsiderado em prol da nova história, mas não é o único.
Outra consequência do clima mais light desse universo é que agora o Caçador é todo de boas e cheio de piadinhas. Embora meio que faça sentido essa nova face, o jeito do personagem fica estranho para aqueles que estão assistindo. Conhecemos um caçador com a alma perturbada na obra anterior e, mesmo que testemunhando momentos em que ele está com a sua amada e momentos que ele está em paz, ainda parece que o comportamento não está certo. Vale novamente lembrar que o personagem de Hemsworth fala no primeiro filme que ele era feliz quando estava com sua esposa, e assim que ela morreu, ele voltou a ser como era antes. Ou seja, ele leva a crer que nunca foi o personagem bem humorado que testemunhamos aqui.
É nessas horas que as divergências das tramas começam a realmente incomodar. No início da Rainha do Gelo, temos Ravenna matando o Rei durante um jogo de xadrez, enquanto em Branca de Neve, ela o mata na cama após seu casamento. No filme anterior, a esposa do caçador é morta por Ravenna, enquanto no filme atual a morte é culpa de Freya. Dessa maneira, as tramas ficam paradoxais, hora deixando claro que são coisas separadas, hora demostrando que fazem parte do mesmo universo.
Mesmo com todos esses defeitos, acho que o pior é quando Ravenna reaparece. Gosto muito da personagem. Ela é refém de seu passado, e seu conflito interno do bem vs mal a torna muito interessante (sua personalidade é retratada de maneira fiel e bela por Florence Welsh na música-tema Breath of Life). Houve um cuidado na trama anterior para que os seus picos de atuação não passasse da linha para a tornar caricata. Em seu reinado, ela toca a linha várias vezes, mas nunca a ultrapassa. Aqui, quando ela retorna, é a personagem caricata que aparece, sem estar acompanhada de sua complexidade. Agora ela só tem uma motivação em mente – todo o resto foi deixado de lado. Logicamente, dada a significação de seu retorno, faz sentido ela estar dessa maneira, mas definitivamente não ficou bom.
Tudo isso parece ser o resultado do que acontece quando temos um diretor iniciante no comando. Cedric Nicolas-Troyan foi o supervisor de efeitos visuais em Branca de Neve, e deu um pulo na carreira conseguindo garantir sua primeira direção com a Rainha do Gelo. Me parece que ele não teve tato para perceber que nem tudo que faz sentido fica bom. Ele trabalhou com quatro atores fantásticos, e todas as atuações ficaram estranhas. Se a atuação cai e o roteiro também não é forte para se sustentar, o que sobra?
Sobra os efeitos especiais, que como já dito, continua sendo bem construído. Vale também ver a origem dos “caçadores” e a presença de mulheres anãs. Quem quiser assistir por puro entretenimento, vai com fé que tá bonito. Mas quem se preocupa com questões de roteiro e construção de personagem, eu já não recomendo.
A questão do “ser traída pelo amor” e “o amor salva” está presente nas duas tramas, e teria sido incrível assistir o desenrolar de um roteiro bem desenvolvido nessa temática. Infelizmente, fomos deixados com algo bastante superficial. Eu não achei que seria possível falar tal coisa, mas o primeiro filme é muito melhor que o segundo. Vamos refletir sobre o assunto.
E dessa vez, quem nos acompanha nos créditos finais é Halsey com a música-tema Castle. Acompanhe o clip abaixo para ficar mais feliz depois de todo o potencial do filme ter sido jogado fora.