A Fênix, criatura mítica símbolo da imortalidade e do renascimento espiritual, age como uma alegoria aos términos e inícios de ciclos. Dessa forma, a ave de fogo parece ser o ícone perfeito para representar um momento grande de transição tanto no mundo dos mutantes cinematográficos (com a fusão da Fox com a Disney), quanto de nossa sociedade atual. De fato, X-Men: Fênix Negra traz questões de suma importância para nossa vivência cotidiana, porém, não funciona tão bem como fechamento de saga. O filme não é a conclusão da franquia que queríamos, mas parece ser a mensagem que precisávamos.

A saga dos mutantes dos anos 2000 fechou sua trilogia com o aparecimento da Fênix Negra, trazendo uma história superficial com muitos confrontos e mortes. Em Dias De Um Futuro Esquecido, o incrível recurso da viagem no tempo consertou esse evento. Por isso, trazer novamente a personagem para o fechamento dessa nova história foi, no mínimo, ousado. 

É notável a diferença da bagagem de significado e complexidade de personagem e de narrativa das tramas protagonizadas por Famke Janssen (2006) e Sophie Turner (2019). Em X-Men: Fênix Negra, o jovem grupo está realizando uma missão de resgate no espaço, quando Jean Grey é atingida por uma força gigante que é absorvida em seu corpo. A falta de controle sobre a maior capacidade de seus poderes leva Jean ao desespero, que acaba por se envolver em situações cada vez piores, levando-a a atuar no “lado negro da força”. 

Uma das questões mais importantes que a narrativa nos traz é o debate sobre a repressão. O que leva Jean a sua quebra interna é o ressurgimento de uma lembrança reprimida de sua infância, um trauma que nunca foi superado. O fundador da psicologia analítica, Carl Jung, afirma que os traumas são bolhas de energia, e que essa energia sempre vai encontrar uma forma de se manifestar. Quanto mais a pessoa enxerga e bolha e lida com ela, menos força ela terá, até que se dissolva por completo. No entanto, quanto mais a bolha for reprimida, negada, ignorada, mais força ela ganhará, e mais destruição causará quando ela finalmente for manifestada.

Isso chama a atenção para a necessidade do nosso auto-conhecimento e melhoramento pessoal. Muitas vezes as pessoas não entendem o motivo que as levam a agir de certa maneira. Podem ser agressivas quando não querem, ou dizer coisas que não sabem de onde vem. A resposta está sempre no inconsciente, na parte de nossa mente que estão os conteúdos que não queremos ver. Como não poderia ser diferente, essa é a parte mais poderosa de nossa psique.

A energia que atinge Jean é apenas isso: uma energia. Ficamos sabendo que ela já atuou na destruição de planetas, mas que pode atuar também em criações. Isso faz todo sentido, já que não existe o “mal”. O mal nada mais é que o afastamento do bem – a escuridão é simplesmente falta de luz. Quando não estamos alinhados com nós mesmos, desconectados do que está acontecendo com o nosso interior, um personagem sempre aparece: o Medo. O medo de um pai dos poderes de sua filha. O medo de uma garota de si mesma. O medo da sociedade quando não compreende algo. O medo de não ser aceito. O medo de não ser amado, etc. Como bem disse nosso querido Mestre Yoda: “O medo é o caminho para o lado negro”.

Temos então uma garota com poderes originários da mente que entra em contato com uma energia poderosíssima potencialmente neutra. No entanto, a garota entra em contato com o medo, que é potencializado por uma energia já inclinada, naquele momento, para o negativo. O resultado são as batalhas que ficam maravilhosas na tela do cinema.

Fica claro como é necessário falar sobre essa temática, e como a personagem da Fênix Negra traduz muito bem essa discussão. No entanto, focando no mundo X-Men que nos foi trazido nos últimos anos, essa narrativa não funciona muito bem. Ela é focada em Jean e em toda a destruição que se segue, deixando um sentimento de falta no final do filme. Embora seja maravilhoso falar do potencial e da energia do inconsciente, a trama pecou em não falar mais sobre os X-Men em si como equipe e como indivíduos.

O grupo de mutantes se despede da Fox, no entanto, com um ar positivo. De um futuro incerto, porém esperançoso. A história desses personagens vem sempre com muito sofrimento e, ao final do filme, podemos suspirar um pouco em alívio. Os mutantes trazem uma bagagem problemática de auto-aceitação dentro de um complicado mundo de conceitos. Vuk (Jessica Chastain) diz a Jean que é hora dela se libertar dos conceitos criados por homens de mentes pequenas. Eu diria que esses conceitos foram criados por pessoas altamente inteligentes que sabiam exatamente o que estavam fazendo – e então foram propagados por homens de mentes pequenas. Mas sim, é hora de se libertar do status quo.

Fechamos a saga de X-Men novamente com um gosto agridoce. O jeito é esperar para ver o que irá surgir no universo cinematográfico da Marvel, que já afirmou que o nome do grupo está ultrapassado. Mudanças são necessárias, e para se criar algo novo, é necessário destruir o velho. Acredito que a destruição já foi bem realizada.