E aí pessoal, tudo bem com vocês? No início do mês estivemos no evento Shinobi Spirit – Edição de 10 anos. Confiram nossa matéria geral nesse link.

No evento trocamos ideias muito legais com alguns convidados, e hoje trazemos para os nosso leitores uma entrevista super bacana, com ela que é a responsável pela voz doce de tantos personagens marcantes e mulheres cheias de significados, como: Mulher Maravilha, Barbie, Natalie Portman, Ranger Rosa Cassie Chan, dentre muitas outras. Com vocês: Flávia Saddy!

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Seria Cookies | Primeiramente, muito obrigada pela entrevista. É um prazer ter esse momento contigo. Bem-vinda a nossa cidade! O que você acha das pessoas que se recusam a assistir a versão dublada dos filmes?

Flávia Saddy | Obrigada! O prazer é meu. Vamos lá! Eu acho triste. Eu acho que já teve muita dublagem ruim. Ainda tem muitas dublagens muito ruins que não são feitas por atores, e isso para a gente que trabalha na área é ruim. Mas eu acho que é um mero preconceito. Geralmente, me acontece o seguinte, alguém me pergunta: “É… O que que você faz?”, e respondo: “Eu sou dubladora”, às vezes escutando: “Ah, mas eu não gosto de filme dublado”. E às vezes eu também falo: “Eu também não. Eu assisto no original!”. Aí, a pessoa fala assim: “Ah não, eu vejo com legenda”. Eis que digo: “Não, não, Não. Eu assisto no original, porque ver com legenda mata o filme, né! (Brincadeira gente, eu assisto dublado!)”. Eu falo isso para dar uma quebrada na pessoa, porque à vezes eu acho que as pessoas falam isso muito de graça de um universo que elas não conhecem. E não conhecem por puro preconceito.

Seria Cookies | Sendo que a dublagem brasileira é considerada uma das melhores do mundo, não é mesmo?

Flávia Saddy | Pois é. A gente tem um know-how. Desenvolvemos a técnica. E tem uma preocupação de ficar cada vez melhor. Então se é de um bom estúdio, se tem bons profissionais, é muito difícil ser ruim. E hoje em dia, o cliente tem o controle de qualidade muito grande. Então, é puro preconceito. Mas, tudo bem, fazer o quê. Só que eu acho legal que hoje em dia tem opção de escolher legendado, dublado, ouvir em outro idioma, então pelo menos a pessoa não precisa usar essa grosseria de falar assim. Porque tem opção! Não quer assistir dublado, não assiste.

Seria Cookies | Como você se inspira para criar a voz dos seus personagens?

Flávia Saddy | Buscamos ser muito fiel ao original. E até para testes chamamos de “match de voz”, então, quanto mais perto você chegar daquilo que o ator está fazendo, é mais fácil até de você ganhar o trabalho. O dublador não leva para casa o filme, não leva o texto para casa, e isso é um problema nesse sentido. A gente entra num estúdio, o diretor passa o briefing: “O personagem é assim, vai acontecer isso”. Então, ele delimita um caminho que você vai seguir. Por isso, o diretor é muito importante. E, quando não tem não é fácil entrar no personagem. É um trabalho difícil. É mais fácil quando é série porque ao longo do tempo, você vai entrando. E chega uma hora que você já está acostumado e o restante sai fluído.

Seria Cookies | Você fez inúmeros filmes da Barbie, que é uma personagem famosíssima, e estes filmes fazem parte da infância de muita gente. Quero saber qual foi o mais especial para você?

Flávia Saddy | “O Quebra Nozes”, que foi o primeiro que fiz. Não que fosse o mais legal, mas é por ter sido o primeiro e por eu ter brincado muito de Barbie. Quando passei no teste foi muito emocionante. E também gostei do “O Lago dos Cisnes”, porque é uma história que eu gosto muito. Eu adoro balé, por isto me emocionou muito também.

Barbie e o Quebra Nozes | Barbie e o Lago dos Cisnes

Seria Cookies | Ainda falando da Barbie, ela é uma personagem que passa para as meninas muito a ideia de que podemos ser o que quisermos, enfrentar desafios e fazer a coisa certa. Além de diversas outras lições de vida. Você sendo a dona da voz e da emoção que é passada, qual foi a mensagem mais marcante que você deu vida na personagem? Aquela que mais bateu no seu coração?

Flávia Saddy | Apesar dela ser doce, calma, tranquila, ela seria mais ou menos uma princesa da Disney. Mas ela vai à luta, busca a conquista até o final. Ela não desiste! Eu acho que seria o não desistir dela, principalmente quando são filmes de aventuras, e ela tem que conquistar alguma coisa grande. Ela realmente não desiste, mesmo quando vai aos tropeços. Eu acho que passar essas ideias, principalmente para as meninas, que elas também podem, que também conseguem, que podem até ser as mosqueteiras. Por que não? E com tudo isso trazer a mulher para um patamar igual, pois tudo o que o homem consegue fazer, a mulher também consegue. Ela pode ser heroína também. Ela pode ser a chefe, pode comandar. Eu acho que essa mensagem nos filmes da Barbie é muito bonita! E sem ter brutalidade, só com doçura, amorosidade e muita determinação.

Barbie e as 3 Mosqueteiras

Seria Cookies | Falando em mulheres de liderança, você fez a girl power mais importante do universo cinematográfico da DC, que é a Mulher Maravilha. Conta pra gente, como mulher, da sua experiência e sentimento ao dar voz a esta super personagem.

Flávia Saddy | Foi muito marcante. Principalmente vivendo em uma época do empoderamento. Foi um filme em que já estava acontecendo o movimento, e aí, o filme veio e marcou. E a atriz, a Gal Gadot, é muito engajada em movimentos relacionados. Então, eu fazendo a voz, eu tenho que ser fiel àquilo, e passar toda a emoção de tudo aquilo. Para que a minha versão da personagem fosse tão importante e o mais fiel ao original possível. E eu acho que ela traz essa mensagem de empoderamento ao mesmo tempo que eleva a mulher. Nós mulheres queremos mostrar que não queremos ser mais, queremos ser igual. A gente quer ter oportunidade igual! Então, na dublagem, se for ver o parâmetro, a maioria dos filmes e séries, a proporção dos personagens masculinos é muito maior. Eu penso que esses filmes trazendo as mulheres heroínas para a indústria do cinema e do audiovisual, são muito importantes, e acabam espelhando para as outras áreas da sociedade. É uma questão de respeito também, se respeitar. Fazer a Mulher Maravilha faz e mim defensora dessa causa também. O feminismo não é elevar a mulher, é para mostrar que é igual, não menos!

Gal Gadot – Mulher Maravilha <3

Seria Cookies | Outra personagem marcante da sua carreira é a Lisa Simpson, que é uma das personagens mais inteligentes e esforçadas do seriado que completou, recentemente 30 anos! Que motivações você acha que o desenho e a Lisa trazem para o público?

Flávia Saddy | Ah, é muita história! Porque a cada temporada, eles inserem coisas que estão acontecendo no momento. Então, traz a realidade e a ironia, a charge, de uma forma muito inteligente. E a Lisa, apesar de ser a menos maluca, não sei se maluca é o caso, mas a mais “da família”, talvez a mais normal, tem uma inquietude dentro dela muito grande. Ela se cobra muito. Ela tem todo um processo que adolescente passa, muito de se cobrar, de querer ser melhor, de querer estar bem e ser aceito. A Lisa tem muito essa coisa de ser aceita, porque por ela ser diferente, inteligente, ela acaba ficando meio à parte. Teve um episódio que ela queria muito uma amiga e ela acaba mentindo para a amiga sobre a família dela. Porque a amiga tinha uma família toda padrão e a da Lisa toda doida. Mas no final do episódio, ela acaba percebendo que, por mais doida que seja, ela ama e é a família dela. Ela também tem esse lado do todo. Mas como disse, ela também quer ser aceita. Então, são conflitos, né. E eu acho que é muito importante perceber, porque apesar de que a série não é uma coisa muito para criança, eu acho até mais adolescente-adulto. Ela acaba nos fazendo pensar e refletir de uma forma lúdica. E nos fazendo rir.

Lisa Simpson

Seria Cookies | Você também fez diversas participações em Power Rangers, e em especial, você fez uma das nossas rangers favoritas, a Cassie Chan que apareceu em Turbo, In Space e Lost Galaxy. Ela é uma ranger rosa e para nós mulheres isto vem cheio de significados, e além disso ela foi a primeira ranger mulher oriental. Como que foi pra você fazer esta super heroína e que lições ela te trouxe?

Flávia Saddy | Ela me influenciou e muito no meu trabalho, porque foi uma época que eu não fazia mais criança e ainda não fazia mulher. Então, essa mudança foi muito importante. E, Power Ranger, né! Desde pequena também acompanhando Power Ranger e vendo os dubladores envolvidos. Mas nunca tinha passado pela minha cabeça que um dia podia ser uma Ranger. E muito menos rosa, que as meninas adoravam e queriam ser. Sempre que brincava, eu queria ser a Ranger rosa. Coitada da amarela, mas a rosa era minha preferida. E aí, quando eu passei no teste, eu não acreditei! Ela me trouxe uma maturidade para o meu trabalho. Porque a minha voz estava em processo de mudança, então achar o tom certo foi muito importante para o meu trabalho. Foi um divisor de água de faixa etária, do que eu podia ou não dublar. Foi com a Cassie e foi muito legal! Era uma época que dublava todo mundo junto, e como eles usam capacetes em vários momentos, a gente ia gravando e se divertindo. Eu, aprendi muito com ela, foi muito legal.

Cassie Chan | Power Rangers in Space

Seria Cookies | Quando você fez a Mia Colucci, personagem de personalidade doce e forte, ao mesmo tempo, tinha uma frase dita com frequência: “Como é difícil ser eu!”. O tom o qual você deu vida é muito marcante. Na época em que você realizou este trabalho, o jeito e entonação da frase, foi algo que você criou ou que foi pré determinado?

Flávia Saddy | Não foi pré pedido, mas ela fazia muito no original. A personagem dava muita ênfase a esse “Como é difícil ser eu!”. Eu demorei para entender. Depois do quarto ou quinto episódio, que ela repetiu isso, que eu me dei conta: “Caraca! Isso é um bordão! Não posso mudar”. Demorei para sacar. O diretor não teve essa sacada. Mas o briefing era que “É uma patricinha”. Porque ela não era rebelde alí. Até tinha a questão, mas ela era patricinha, então eu fui muito para essa linha. Não era bem um doce, era uma patricinha ardida, um pouco enjoada. No original, às vezes, a voz é até irritante. Não sei, mas acho que eu às vezes devia soar irritante, (risos) porque tinha que fazer o que ela fazia. Mas foi muito, muito gratificante fazer. E foi um momento em que o meu trabalho teve mais reconhecimento, porque as pessoas iam para a porta do estúdio de dublagem da Herbert Richers para pedir autógrafo dos dubladores. Na época não tinha internet. OK, até tinha internet, mas não como hoje e com a existência do Instagram. Então as pessoas não achavam os dubladores e artistas facilmente. Hoje em dia, as pessoas vão na internet e procuram, te acham no Instagram, no Facebook, etc. Então, isso é muito legal, e na época, eles só sabiam que era dublado lá. As pessoas realmente iam para a porta pedir autógrafo. Foi muito legal ter esse retorno. A dublagem é um trabalho tão anônimo, tão por trás do microfone, e saber que isso mexe com as pessoas, e que traz um conforto, é muito legal.

Mia Colucci

Seria Cookies | Um dos seus trabalhos recentes é a Cintilante no remake de She-ra para a Netflix, que inclusive estreou a pouco a 2ª temporada. O que você mais gosta quando tem a oportunidade de participar de um remake?

Flávia Saddy | Ai, eu amei participar! Porque eu assisti She-Ra a infância inteira. Antes de ir para a escola, passava na Xuxa, era dos últimos a passar de manhã. Tinha épocas que era He-man, tinha épocas que era She-Ra, e reprisava sem parar. E eu adorava a Cintilante! Adorava, que era a Marisa Leal que fazia a voz. E aí, hoje eu dirijo a série. Quando veio o teste, eu chamei a Marisa para fazer o teste, apesar de não achar que fosse para agora, mas eu pensei: “Cara, eu vou colocar as pessoas que faziam antigamente”. Só para voz do Arqueiro que eu não consegui, porque realmente é para ser uma voz muito jovem, e o Júlio Chaves não ia ficar legal atualmente. Mas para a Cintilante eu fiz testes com mais outras pessoas, mas eu mesma acabei passando. E aí, existe um carinho imenso. Você já assistiu?

Seria Cookies | Sim, eu estou assistindo e estou adorando, me identifico um pouco com o modo da Adora ver a vida e a forma como ela despertou perante a Orda. E acho lindo como ela leva forte no coração, a vontade de ajudar o mundo! Como comecei a ver recentemente She-Ra, eu não tinha olhado a lista de dubladores antes. Às vezes, eu gosto de adivinhar quem que é o ator ou quem que é o dublador. E ouvir a Cintilante eu reconheci na hora a sua voz! Foi muito legal porque casou com este evento e a oportunidade de te entrevistar!

Flávia Saddy | Matou a charada! Eu acho que pessoa que curte dublagem deve ficar assim: “Hum, será que é?”. Às vezes têm umas pessoas parecidas, o que nos deixa meio na dúvida, mas eu acho legal. Sobre a Cintilante, ela é uma princesa! Mas foge do padrão, do biótipo, e do modo de falar. É uma série que está trazendo uma diversidade, que é muito importante. Traz de forma natural, não é nada forçado, ou escrachado. Eu acho legal ter um olhar diferente para a She-Ra, porque ela pode trazer o que a do passado não trouxe. A anterior trouxe aquela magia da super heroína feminina, mas não trouxe o que essa agora vai trazer! E até acho que também abrange um público mais adolescente. Tem uma pegada mais teen, e o estilo anime. Eles foram espertos, né, acho que eles pensaram nisso tudo. E a questão da diversidade, que está bem clara no desenho, é muito interessante, sem preconceito, sem ser “escrachisse” de graça. Simplesmente “só é porque é”. Isso é muito importante.

Cintilante | She-ra – Netflix

Seria Cookies | Tem alguma curiosidade de algum momento de bastidores da dublagem que você gostaria de compartilhar?

Flávia Saddy | Ah, assim, antigamente dublava todo mundo junto, na mesma sala, ao mesmo tempo. Hoje é separado. Então, quando dublava todo mundo junto, era piada o tempo inteiro, uma festa, muita brincadeira. Mas se você errava, as pessoas só faltavam te xingar (risos), porque todo mundo tinha que voltar e fazer tudo de novo. Atualmente se errou, volta, regrava, tudo na hora. Muito rápido, por conta do computador. Antigamente era em fita, tinham dois canais. Você não podia faltar naquela produção, se não, tinha que gravar sem som. Isto porque tudo era gravado em cima do canal do som. Aí tem os bastidores de você fazer esses filmes que não pode contar nada a respeito, e todo mundo fica doido para falar. Às vezes não pode nem comentar com outro dublador.

Seria Cookies | De um modo geral, você fez muitas protagonistas marcantes, o que você aprendeu para a sua vida ao trabalhar com algumas destas personagens?

Flávia Saddy | Principalmente a respeitar. Os nossos colegas, os outros. São tantas personalidades diferentes que a gente faz em dublagem, que elas trazem para mim a mensagem de que as pessoas são tão diferentes. E então, que a gente tem que entender que a gente às vezes pode ter uma opinião diferente. Nós podemos não pensar igual, mas temos que respeitar a outra pessoa. E, eu acho que essa diversidade que a dublagem traz para mim, ela bate muito nisso. De que as pessoas são diferentes, de que os personagens são diferentes, e que a gente também é. Posso até não gostar de estar fazendo uma pessoa que mata, que rouba, que faz uma coisa ruim, mas eu tenho que fazer aquilo e levar o trabalho com dignidade. Respeitar eu acho que é uma coisa muito importante que o trabalho me trouxe.

E é isso mesmo! A Flávia ressaltou as lições mais importantes que suas personagem passam que são aprendizados que devemos levar para vida: respeito, diversidade e aceitação! Falou como uma verdadeira protagonista!