Desejos são superficiais ou a realização dos mesmos se limita apenas aos contos de fadas? Seja no mágico ou não mágico, todos rendem boas histórias. Era Uma Vez Um Gênio (Three Thousand Years of Longing), do diretor George Miller (Mad Max), teve como inspiração no conto “The Djinn in the Nightingale’s Eye” (O Djinn no Olho do Rouxinol) da britânica A.S.Byatt.
Os protagonistas Alithea (Tilda Swinton), uma estudiosa literária, apaixonada por histórias, em uma viagem a Istambu para palestrar sobre o cerne da literatura fantástica, compra de souvenir uma garrafa de vidro peculiar. Hospedada em uma suíte em que teoricamente Agatha Christie escreveu “Assassinato no Expresso Oriente”, ela se depara com o objeto sendo o lar do outro protagonista, que é um Gênio que concede desejos (Idris Elba). E o que são viagens a espaços culturais e especificamente para eventos como esta palestra? Bem, peno que a maioria das pessoas viajam para contar histórias sobre as histórias. Sejam do lugar explorado ou de suas próprias aventuras inseridas naquele espaço.
O encontro é recheado de diálogos profundos e densos sendo uma viagem milenar através da história de vida daquele Gênio, até aquele presente momento, em que ele próprio tem um desejo profundo que só pode ser concebido após os 3 desejos de Alithea. Não há como falar deste longa sem trazer um pouco da origem dos contos de fadas.
Estudos apontam que os contos existem desde 25 mil anos antes de Cristo. Os contos eram principalmente voltados para adultos e faziam parte de uma espécie de “saraus”, evento em que as pessoas se reuniam para socializar onde havia música e a troca de histórias folclóricas, sejam eventos da aristocracia, sejam eventos dos camponeses.
Os encontros eram abertos tanto para homens quanto para mulheres e as narrativas vinham a partir de mitos, histórias religiosas, sonhos, inspirados em eventos vividos e folklore popular; e com o tempo passaram a ser escritas e registradas.
Um dos grandes influenciadores dos contos de fadas foi o povo celta; e os contos mais parecidos como são hoje, e que se aproximam mais do público infantil. datam do século XVII, porém até chegar nesta fase houveram muitas mudanças de como eram tratados, pelo fato de inicialmente os contos serem voltados ao público adulto.
Foi apenas no século XVIII que os contos passaram a ser mais parecidos com o que são atualmente, e mais próximo do público infantil, devido os registros dos Irmãos Grimm. E em paralelo a essa trajetória, há o movimento artístico literário Romantismo, que surgiu na Europa no contexto da Revolução Industrial e do Iluminismo, o movimento filosófico baseado na razão. Característica presente no olhar da personagem Alithea. E o Romantismo valoriza a subjetividade e a dramaticidade, características presentes no personagem Gênio.
O filme é um ode à estas características que dançam pela narrativa profundo e complexa a respeito dos desejos mais profundos do coração de alguém e as consequências de suas escolhas, sejam elas sábias ou egóicas.
“Amor não é algo que alcançamos com a razão, é algo dado espontaneamente.”
Alithea é intelectualizada e a conversa deles é rica trazendo os questionamentos da complexidade do desejar e realizar, desde uma simples satisfação ou algo profundo que pode trazer consequências das próprias escolhas. Com isto ela escolhe desejar o não desejar.
Contudo, todos temos desejos; mesmo que fique ocultos para nós, e uma das belezas desta obra é que dentre todas as probabilidades de encontro, o desejo profundo dos dois protagonistas de universos tão diferentes é o mesmo. Tinham a mesma raiz, sendo uma em metáfora mitológica e outra em vivências, e que se entrelaçam nos fractais da vida pela linha tênue entre realidades que se sobrepõem como um todo.
Há também aquelas situações da vida em que existe a capacidade de ler sentimento do em torno e si mesmo, versus a descoberta de sentimentos através das histórias. Algo muito forte que perpetuo em minhas reflexões é o quanto as histórias são espelhos da vida real e como estas narrativas nos ensinam, nos nutrem e são poderosas. O poder das histórias como ferramenta de auto melhoramento e compreensão. É incrível!
Não é um filme para mentes pequenas, não é um simples “era uma vez”. É muito mais sobre entendimentos de manifestações que vem em forma de desejos junto com seus desdobramentos, consequências. Além da busca de chaves que abrem a porta da percepção de como enxergarmos tudo isso e escolhemos lidar. Um filme de nos fazer ficar horas pensando a respeito mergulhando em nossos próprios pensamentos e sentimentos.
Estreia dia 1º de setembro com 5 cookies de classificação!