As bruxas irmãs Sarah, Winifred e Mary Sandersons, foram condenadas à forca no século 17 deixando em Salem a maldição de que retomariam em vingança com o acender da vela negra. Situação que ocorreu em 1993 e novamente em…2022! Sim, estamos falando de Abracadabra 2! O Clássico de dia das bruxas com as atrizes Sarah Jessica Parker, Bete Midler e Kathy Najimy!
Mas antes, vamos relembrar de Abracadabra de 1993. A família de Max (Omri Katz) e Dani (Thora Birch) se mudam para Salem em outubro, o período em que toda a cidade e comunidade está envolvida com as celebrações do Dia das Bruxas. Com isto é relembrada ano após ano a lenda da maldição das irmãs. Sua cabana se tornou acervo cultural, inclusive fechado temporariamente porque “coisas estranhas” ocorriam ali, e que o lugar estava sendo guardado por um gato preto para evitar que alguém se aproximasse da vela de chama negra.
Max, cético e buscando se encaixar na nova vida, e impressionar a “mocinha” Allison, por descrença aos assuntos sobrenaturais, acende a vela e acaba surpreendido pelos acontecimentos em sequência. Max, Dani e Allison buscam evitar que as bruxas atualizem o feitiço e retornem para sempre, e as irmãs estão em busca do máximo de crianças para darem-lhe vitalidade. Porém 3 mulheres vestidas de forma peculiar em pleno dia das bruxas, se misturam à cidade e às pessoas, e parte da diversão da narrativa é ver esta dinâmica e confusão das personagens de outro século em ver o mundo 300 anos à frente; saindo de uma pequena aldeia para as modernidades do século 20.
Caos e desordem na cidade desenrolam em uma narrativa divertida e engraçada e com um belo reencontro ao final dos irmãos Tackery Binx e Emily. Eles que foram causa da condenação das irmãs Sandersons no século 17. Emily foi raptada pelas bruxas, Tackery tentou salvá-la e foi condenado a viver eternamente em forma de gato, com a culpa de não ter conseguido resgatar a irmã, ficando por 300 anos guardando a cabana para evitar que alguém acendesse à vela de chama negra.
Em séculos diferentes, duas situações com repetição de padrões semelhante da irmã caçula e o irmão mais velho vindo salvar. E agora no novo? O que aconteceu para as irmãs Sandersons retornarem em 2022 após os acontecimentos de 1993?
Nesta nova narrativa conhecemos a infância das 3 irmãs, em Salem de 1653 com foco a líder e mais velha Winifred que acaba de completar 16 anos e está sendo forçada pelo Reverendo da aldeia, Traske, a se casar com um aldeão, pois quando a menina completa 16 anos, nesse período era aceitável que ela fosse encaminhada para o casamento, especialmente quando não tem mais um tutor. Winifred é diferente, forte, expressiva. Quer ficar com as irmãs e com quem considera sua alma gêmea, Bil Butcherson (o zumbi de alívio cômico do primeiro filme que também retorna com o ator original Doug Jones), mesmo que não seja exatamente à vontade dele. Mas o ponto de discussão aqui é o desejo de uma garota que quer ser livre e se expressa de forma forte e desafia a autoridade masculina, considerada lei, mesmo sendo de alguém que nem sequer é sua família. A marca dos pensamentos de individuação e autenticidade versus a falta de direitos e liberdades para as mulheres. Para evitar serem separadas, as irmãs são atraídas por uma doce canção (bastante conhecida no universo de Abracadabra) e fogem para a floresta considerada proibida na qual vão ao encontro de uma Fada madrinha…ou melhor, Bruxa madrinha, com intenções não tão madrinha assim que, contudo, reconhece em Winifred a magia e seu olhar à frente do tempo, concedendo-lhe seu livro de feitiços em um ato de passagem de conhecimento.
E é aquele livro peculiar que bem conhecemos no filme de 1993.
O livro que na linha temporal de 2022 é mantido dentro de um vidro na cabana Sanderson que agora fica no meio da cidade e é uma casa esotérica e de contação de histórias, como a saga das irmãs Sandersons com adicional dos eventos de 93, e um local frequentado pelas adolescentes Izzi e Becca, que ganha uma vela de Gilbert, o dono da loja; está completando 16 anos e tem a tradição de realizar uma pequena celebração no meio da floresta com palavras de intenções e cristais. Conhecendo a infância de Winifred, e a informação de que uma bruxa ganha os seus poderes ao completar 16 anos, podemos imaginar e que a vela dada por Gilbert não foi produzida por uma receita qualquer, mas de um certo livro.
O filme tem números musicais com covers divertidíssimos, assim como todo andamento da história que é recheado de referências ao primeiro filme e nos deixam nostálgicos e saudosistas. E por meio de um filme divertido temos os conceitos da força feminina sendo representada pela figura da bruxa. Mais ainda da bruxa moderna. A que faz o uso de ervas e cristais e saúda a irmandade e todas as mulheres que vieram antes delas, bem como seus desafios e histórias. Daquelas que honram a floresta a tem como um refúgio para recarregar suas energias, a passagem do bastão de lugar e conhecimento sendo simbolizada com a troca de geração de donas do livro mágico. Que no mundo moderno poderia um livro de receitas, um caderno de poemas, um bloco com anotações e pensamentos.
Além de outras sabedorias como o reconhecer de uma sombra, para ver com clareza o que verdadeiramente importa. É interessante traçarmos um paralelo com o estereótipo de bruxa dos anos 90 com as adolescentes do filme de 2022. As irmãs Sandersons tem o estereótipo clássico da bruxa malvada que atrai crianças para a cabana no meio para floresta por meio de uma doce canção, para pôr fim sugar sua força vital para ficarem jovens. E quando retornam em 2022 no meio de um festival de dia das bruxas, elas são admiradas por diversas gerações.
E por que a bruxa causa este encantamento tanto quando os heróis? Segundo Von-Franz, pesquisadora pisco-analítica que deu continuidade aos trabalhos de Jung, os personagens nas histórias, herói/heroína representam modelos para um funcionamento do ego em harmonia com a totalidade do ser humano. E de forma simbólica os vilões, magos, bruxos e outros antagonistas fazem um contraponto daquilo que “falta” do herói. Seria uma sombra, um lado oculto que não foi olhado e curado. É uma parte inferior no sentido de estar no profundo de uma personalidade, e que não tem que ser bom ou ruim, é apenas algo que não foi olhado por estar no inconsciente.
E é lá no inconsciente que carregamos muito da nossa família e passado. Se conectando com a história de infância das três irmãs. Olhar para nosso passado e nossa história ajuda a reconhecer e compreender motivações e ações na vida adulta, e que às vezes não são tão claras. A sombra revela um potencial de desenvolvimento, criativo ou destrutivo, normal ou patológico.
“A magia costuma unir as coisas”
Mother Witch
A bruxa também traz uma das facetas do arquétipo de “grande mãe” adepta da irmandade podendo ser uma força motriz de motivação que força o processo de individuação da princesa e/ou heroína. Além de também ser um personagem muitas vez mais autêntica, expressiva, empoderada e sedutora. Abracadabra, mesmo sendo um filme de fantasia e comédia voltada ao público infantil traz sutilmente no papel e falas das personagens estas reflexões que tanto faz sentido em debates atuais.
“Meus poderes não são nada sem as minhas irmãs eu não sou nada”
Winifred
5 cookies pelo filme e aproveito para convidar vocês a conferirem o episódio sobre “As Bruxas no cinema” do podcast Rabiscos, do qual tive o prazer de participar com a escritora e poeta curitibana maravilhosa Carolina Cavalcanti Pedrosa.