Eles vão roubar o seu coração! 

Após uma longa espera de 8 anos desde o lançamento do último jogo, Persona 5 chegou ao mercado ocidental em abril de 2017, pelo desenvolvimento da Atlus, para nos mostrar que a espera valeu cada segundo. Além de ser um excelente JRPG que apresenta mecânicas altamente intuitivas e divertidas, o game aborda os problemas atuais do cotidiano japonês contados através da psicologia analítica do psiquiatra suíço Carl Gustav Jung, o qual propôs e desenvolveu os conceitos de personalidade extrovertida e introvertida, arquétipo e inconsciente coletivo.

Persona é a máscara usada pelo indivíduo em resposta às convenções e tradições sociais.
Carl Gustav Jung.

Vários elementos. Uma obra-prima!

No controle de um aluno do segundo ano do Ensino Médio, denominado pelo sistema como social link (elo social), que está em uma condicional pelo cometimento de um suposto crime, a jogabilidade (gameplay) principal se divide em dois grandes eventos ao longo de um ano. Um na parte social, onde devemos cuidar do período letivo, assim como a vida social, e participar de inúmeras atividades espalhadas por uma Tóquio moderna muito bem representada. Na outra parte, devemos entrar no Metaverso, uma manifestação psíquica de um mundo alternativo no qual consiste na representação distorcida do inconsciente humano, para enfrentar os vilões e hordas de inimigos com batalhas do clássico RPG por turno.

Tudo flui perfeitamente. Cada botão se torna responsável por uma ação distinta, como ataques físicos, uso de itens, uso de armas de fogo e invocação de magias por monstros chamados Personas, que são a representação do ego de Carl Jung de cada um dos 9 protagonistas, além dos monstros inimigos que podem ser capturados com o protagonista, algo que lembra Pokémon. Pode parecer uma combinação estranha, mas o Metaverso está diretamente ligado à vida social de Tóquio e tudo se casa com maestria no enredo que é representado em cutscenes em tempo real e cenas em Anime com um belo traçado.

♫ You’ll never see it coming! ♫

Em verdade, o jogo se parece muito com um Anime pelo roteiro da trama. Há várias intercalações de diálogos, cada qual com o seu retrato ao lado esquerdo da tela, junto a diversas animações de reações caricatas dos animes, como animações de vergonha com gotas na cabeça e surpresa com raios e listas focadas nos olhos dos personagens. Porém, embora tais diálogos encham os olhos com a qualidade do traçado, seu ritmo de jogo cai dada a frequência com que aparecem, o que pode desagradar aos jogadores com maior interesse em batalhas, mas que, ainda assim, são devidamente compensados com a qualidade e maturidade dos temas apresentados pelo jogo.

A missão principal se desdobra na procura de vilões que atormentam a vida das pessoas de formas… invisíveis, para então mudar seus corações (seu verdadeiro eu interior), vez que comumente abusam de suas vítimas, como por exemplo: exploração física e sexual velada; suicídio; fama em virtude de plágio e segredo; tráfico de drogas e almejo de controle total por meio de corrupção em plena luz do dia; jogos políticos; empoderamento a qualquer custo; e hierarquia injustamente desequilibrada à mulher no ambiente de trabalho.

O seu desenvolvimento consiste em entrar no Metaverso para através dele chegar até a manifestação cognitiva do vilão, que toma a forma de um Palácio moldado de acordo com a representação de seu inconsciente. Para ajudar na visualização, um dos vilões enxerga os moradores de sua cidade como meros números, representados por caixas eletrônicos ambulantes, enquanto seu Palácio é um enorme banco flutuante em cima de toda a cidade. Assim, uma vez descoberto e adentrado ao Palácio, deve-se então achar e roubar o Tesouro lá escondido, que é a materialização da deturpação criadora do Palácio. Uma vez retirado do Palácio, ele não se sustenta e desmorona, fazendo o vilão, na vida real, se desmoronar emocionalmente e confessar todos os seus crimes e pecados, gerando assim uma verdadeira mudança de personalidade (de coração)! Vale ressaltar ainda que cada Palácio no jogo é relacionado a um pecado capital, e esse citado, à gula (no caso, desejo insaciável de dinheiro).

Palácio Banco flutuando em cima da cidade, sustentada pela sua mera força econômica.

Dentre os temas menores trazidos pelas missões secundárias, mas de alto impacto social, temos como exemplo o enfrentamento de relacionamentos conturbados e/ou possessivos; transtornos rotineiros de uma sociedade contemporânea; relacionamentos abusivos ou incomuns consequentes pela rejeição social e profissional; “bicos” intrigantes para ajudar com a renda; troca favores por mais poder em diversas ocasiões; bullying; e patrões abusivos que tratam funcionários como meros objetos.

O seu desenvolvimento se dá nos Mementos, o Palácio da sociedade, implicando no conceito de inconsciente coletivo, representado por um metrô em direção ao centro da Terra. Portanto todas as corrupções que a sociedade/pessoas cometem e que não são fortes o suficiente para fazerem surgir um Palácio, se manifestam aqui. São problemas menores, mas ainda de evidente importância de serem resolvidos (Genial, não?!).

À esquerda, o mapa do Mementos, estando bem atrelado a sociedade. O que será que tem no centro?; À direita, os trilhos destorcidos desse lugar sombrio, frio, e cada vez mais orgânico e medonho a cada descida.

Assim, para manter tamanha seriedade e maturidade, o jogo desenvolve-os de forma gradativa com diversas cutscenes, muitas delas únicas, cuidadosamente elaboradas, pelas atuações, dublagens expressivas e carismáticas, falhas e conquistas dos personagens, compromisso social do jogador com seus colegas, preocupações reais dos coadjuvantes pelas fofocas de corredor e notícias por diversas mídias. É visível o primor e cuidado por diversos aspectos da construção do roteiro e do jogo em si. Ainda, espere alguns alívios cômicos inesperados e diversas reviravoltas de trama (plot-twist) que te darão sentimentos sinceros de urgência, medo e poder.

Há muito cuidado também com o texto, principalmente pela clareza das informações. Dificilmente serão genéricos e grandes, o que ajuda na leitura – principalmente dos diálogos falados – ao mesmo tempo que contribui com informações importantes. Isso se espalha pelo jogo, como em tutoriais, logs, históricos, resumos do objetivo principal, descrições de itens, sussurros e notícias.

Quanto a trilha sonora, a mistura de Rock e Jazz resulta em uma das trilhas sonoras mais estilosas e adequadas em um game dos últimos anos. Variam de forma impactante conforme as mudanças de humor e de narrativa ao longo da trama e das batalhas. Boa parte das músicas tem a presença da vocalista Lyn Inaizumi que nos presenteou com músicas como Last Surprise, Life Will Change e Wake Up, Get Up, Get Out There, que deixam o clima de batalha cada vez mais frenético. Porém, é verdade que a música de batalha principal, Last Surprise, fica presente na grande maioria das batalhas, o que pode incomodar pela repetição, ainda mais se você preferir a ação do game, podendo ser mais um obstáculo aos amantes da batalha.

E a arte do jogo? Já deve ter dado para reparar que é muito impactante, não é mesmo? O jogo não economiza nesse aspecto. Temos uma vasta personificação de estilos: seleção de menus monocromáticos únicos, animações, roupas, caixas de diálogo, telas de alerta (popular “HUD”), etc.

Acredita que tem app gratuito de SMS que muda pra essa aparência? Confira na Google Play como “Persona 5 IM” (infelizmente não tem na App Store). Eu uso o app e acho fantástico ;D

Persona 5 conseguiu elevar o padrão de qualidade nos JRPGs atuais por tamanho primor técnico, com um tempo de jogo que varia entre 80 a 100 horas, superando seu antecessor em muitas categorias. O jogo possui uma excelente história que aborda situações complicadas e sensíveis do cotidiano nipônico, mas ao mesmo tempo consegue nos divertir graças ao carisma dos personagens. Ainda, possui um toque de sobrenatural e da mente humana para complementar a obra junto a uma trilha sonora única.

A nota não poderia ser outra, senão a nota máxima de 5 cookies!

Serial Games III Edição Matéria desenvolvida pelos colaboradores Raphael Tadokoro & Dorival Mores.
Confiram também a I Edição & II Edição.