“Esqueça o que você acha que sabe”, pede Robin of Loxley no começo do filme. Com tantas versões diferentes sobre o ladrão que rouba dos ricos para dar aos pobres, parece razoável o pedido do narrador que quer evitar desinformação e fake news. Ele quer um papel em branco para contar a sua história, que, na verdade, é a nossa história. Vestida de um blockbuster de ação com atores conhecidos, a trama de Robin Hood – A Origem traz uma grande divulgação sobre o sistema político-social-religioso que ainda existe e a forma que ainda é utilizado. Mesmo com clichês e cenas que forçam a barra do bom senso, o filme consegue ser divertido – mas o legal mesmo é fazer essa análise de padrão.

A história se passa em meados do século XII, mas o figurino do elenco é bastante moderno. Ao meu ver, essa escolha vai além de querer modernizar a trama para atingir um público mais jovem; ela é um indicador para prestarmos atenção ao que está acontecendo lá, pois é o mesmo que acontece aqui. Nossas roupas se parecem porque estamos vivendo o mesmo ciclo atemporal.

Robin leva uma boa vida de nobreza até que é chamado para lutar nas Cruzadas. Ele passa vários anos no Oriente Médio, lutando contra os muçulmanos que ameaçam o estilo de vida bom e livre ocidental de ser. A invasão de um país e a violência com sua população é justificada pelo patriotismo e a fé em Deus (mas precisa ser o Deus certo). Nessas cenas, pense em qualquer filme atual que envolva guerra e troque as balas por flechas. Quando Robin se rebela contra a brutalidade de seu superior, ele é enviado de volta à Nottingham, onde os moradores foram forçados a viver em péssimas condições para poderem pagar as taxas referentes aos custos de guerra.

Ele está desolado por toda a situação em sua terra natal, e enxerga claramente que o Xerife possui uma agenda própria por traz da guerra, a qual não envolve nada de amor à nação ou a qualquer outra coisa além de si mesmo. Ao se associar com John, um guerreiro muçulmano que quer atingir a besta em seu coração, eles iniciam um treinamento que leva aos tão famosos roubos. A questão de dar o dinheiro aos pobres acaba sendo secundária, pois o objetivo é descobrir quem está por traz dessa operação hedionda. O famoso “follow the money”.

Tem diálogo clichê? Vários. Tem atuações questionáveis? Com certeza. Tem vários problemas em cima no personagem muçulmano que vai desde o seu sotaque até o fato que ninguém da cidade percebe que ele possui características diferentes? Absolutamente. Inclusive o disfarce do Robin/Hood consegue ser pior que o do Clark Kent/Superman e há muitas cenas que forçam nosso senso de realidade. Mas isso é blockbuster de ação norte-americano sendo blockbuster de ação norte-americano. Se ficasse nisso, eu diria que o filme é uma porcaria que não vale ser visto nem pelo Jamie Dornan. Evidente que não fica nisso. E o Jamie Dornan tá legal.

O filme é sobre a roda do sofrimento que continua a rodar, sobre a auto-responsabilidade em situações impossíveis, sobre as alianças da elite manipuladora e o controle através do medo, sobre o poder da união de mentes e de forças, sobre a história que se repete e precisa parar. Quando isso é levado em conta e a ação fica em segundo plano, o filme é divertido e pode gerar altas conversas sobre quem é quem em nosso panorama atual. Também conversas se você prefere o Taron Egerton ou o Jamie Dornan (ou se o Foxx faz mais seu estilo). E tá tudo bem.

A direção é de Otto Bathurst, da série britânica Peaky Blinders e que dirigiu o primeiro episódio de Black Mirror, o “The National Anthem” (podem trazer essa referência para a discussão alí de cima). Temos Leo DiCaprio na produção. Robin Hood – A Origem estreia hoje nos cinemas.