Nas últimas três noites, eu assisti a terceira temporada de True Detective. Comecei a assistir porque a primeira temporada foi muito boa, mesmo eu não lembrando direito da história e a segunda não sendo das melhores. Nessa época em que eu presto muita atenção com o que eu me conecto, a frequência que entro, fiquei pensando por que eu tinha decidido assistir uma história que envolve mortes, sofrimento e mágoas. Mas quem eu quero enganar? Não resisto a uma boa narrativa que brinca com diferentes linhas temporais.
É só no último episódio que eu entendo. Não apenas o fechamento do mistério, mas a razão de eu ter continuado até ali. Certa personagem afirma:
“E se houver outra história? E se alguma coisa não quebrou? Toda essa vida, toda essa perda. E se essa realmente fosse uma longa história que continuou e continuou até ela se curar? Não seria essa uma história que valeria a pena contar? Não seria essa uma história que valeria a pena escutar? “
Eu começo a chorar, porque aquilo me toca demais. Faz sentido demais. Ressoa demais. É por meio das história que nos conectamos. As histórias contam o caminhar da humanidade, que muitas vezes envolvem sofrimento, mágoas e mortes. Mas deixa rolar, deixa a história ir, deixa o tempo passar, até que ela se cure. Nós estamos nos curando, em âmbito pessoal e planetário. No nosso interior e na nossa comunidade. Estamos nos curando e criando um futuro incrível.
É por isso que eu amo as histórias. Os filmes, as séries, os livros. Porque o que acontece lá é o que acontece aqui, e as histórias nos permitem espiar inúmeros mundos e linhas de tempo e aprender com tudo aquilo. A história daquelas personagens de True Detective duraram uma vida inteira, e não sei exatamente o que significou para elas. Mas, pra mim, foi uma experiência de algumas horas que gerou muito aprendizado e que tocou meu coração. Esse é o poder da narrativa. É por isso que eu passo longas horas admirando esses mundos.
Essas mídias contam a minha história, a sua, a da humanidade, do universo. Eu as assimilo e compreendo. É um download de conteúdo a cada episódio, a cada plot twist, a cada capítulo novo.
E ao mesmo tempo que cada história tem uma grandiosidade imensa, um aprendizado gigante, ela também é apenas uma numa infinidade de histórias, o que traz certa leveza, um desprendimento do ter que fazer tudo perfeitamente correto. Acredito que ter consciência desse paradoxo em nossas próprias histórias pode trazer muita tranquilidade e paz. Como diria o Doctor, “somos todos histórias no final”.
Uma reflexão a mais, pra você que chegou até aqui
Eu lembro que lá por 2010, assistindo Dollhouse, fiquei boladona com uma ideia que foi apresentada. A série era sobre uma empresa oculta que possuía uma tecnologia capaz que apagar toda a personalidade e memórias de uma pessoa e substituí-las por outras. Os protagonistas eram homens e mulheres que eram as “bonecas” do título, e que recebiam as memórias e habilidades para realizar algum trabalho para que foram contratados, como cometer um crime ou realizar alguma fantasia. A trama vai caminhando para algo que lembra Westworld, em que parece que existe uma consciência da essência, algo que vai além de toda a manipulação mental.
A ideia que me deu um tapa na cara foi que as histórias de todo mundo são generalizadas, que elas residem num inconsciente coletivo não pertencente a ninguém em particular – e que todos podem ter a memória inconsciente de ter passado por aquelas situações.
Isso me revoltou. Fiquei muito braba com a ideia da minha história não ser exclusivamente minha. Hoje vejo como meu ego era dominante naquela época. Propriedade era tudo. Eu era o que me pertencia e eu seguraria aquilo com todas as forças.
No caminhar dos anos fui compreendendo, assimilando, obtendo pequenas catarses. A grande realização desse período não foi destruir meu ego – muito pelo contrário – eu o abracei. Ele não é mais algo dominante e a parte, um Sr. Smith controlando o jogo. Ele é um comigo e, consequentemente, com todos os outros.
Embora eu ainda tenha muito mais pra aprender e melhorar, hoje vejo que aquele conceito de Dollhouse faz total sentido, porque somos todos histórias. As mesmas histórias. Não é à toa que é possível encontrar os mesmos arquétipos em todas as tramas. Hoje não tenho mais essa necessidade de possuir minha própria história e negá-la a qualquer outro; eu entendi que ela está está sendo contada há bilhões de anos por meio de outros bilhões de indivíduos. No final, é a aprendizagem que conta, a mensagem que fica. E isso serve e ajuda a evoluir todo mundo.
(ps.: agora quero reassistir Dollhouse)