Escrito e dirigido por Kenneth Branagh, que a pouco esteve produzindo, atuando e dirigindo Morte no Nilo (confira nossa crítica no seguinte link).

Kenneth concebeu o roteiro a partir de suas próprias experiências vida em que teve que crescer em meio a caos, viveu uma infância tumultuada em Belfast, na Irlanda do Norte, mudou-se para Londres ainda muito jovem e por fim traçou sua rica carreira artística.

Belfast traz no elenco da família protagonista do filme Caitríona Balfe (Outlander) como a mãe Ma, Jamie Dornan (50 tons de cinza) como o pai Pa, Judi Dench (007) como a vó Granny, Ciarán Hinds (Harry Potter) como vô Pop e o pequeno Jude Hill, se apenas 10 aninhos de idade como personagem principal Buddy.

Uma família simples muito correta, protestante, pertencentes à classe trabalhadora. Pais se esforçando para criar os filhos, a mãe muito correta e disciplinada, o Pai trabalhando em Londres e que só consegue ver a família de tempos em tempos, e queridos avós contadores de histórias e de conselhos. Acompanhamos a história pelos olhos doces de Buddy. De forma terna, profundamente pessoal de um pequeno menino que está descobrindo a vida.

O fato de a família ser protestante não é o que determina quem é bom ou ruim, mas o que na história difere no olhar dos personagens, devido ao caos que está ocorrendo na cidade com ataques as pessoas e as casas dos que optam pelo catolicismo. O que vemos são divergências religiosas, políticas e econômicos. Os conflitos da Irlanda do Norte que já vem de origem aos conflitos de dominação britânica na ilha da Irlanda, temas coincidentemente muito presentes da série Outlander que conta com Caitríona Balde como a protagonista Claire. As famosas brigas sem sentidos de ideologias que separam às pessoas e as levam a ira de forma monstruosa. Conflitos e pensamentos que podem ser observados com atenção no álbum “War” da famosa banda irlandesa U2, cuja música “Sunday Bloody Sunday”, foi e é até hoje um grito de protesto para olhar o que está acontecendo e buscar um rumo diferente do que se está vendo.

“Não existe o lado de lá e o lado daqui, só essa maldita religião separando a gente”

Belfast

“Não existe uma resposta certa, se fosse verdade as pessoas não estariam se explodindo”

Belfast

Buddy é fã de filmes e quadrinhos. Interessante mencionar que Belfast é 90% em película preto & branco. Dos raros momentos em que vemos cenas coloridas, a maioria são dos filmes que a família está contemplando no cinema. Filmes coloridos, trazendo expressão de esperança, de um mundo a parte. A mente de Buddy viaja com as histórias, com as músicas.

“Se não entenderem você é porque não estão ouvindo”

Belfast

Ser criança é belo, é terno, é uma fase em que grande parte das experiências vividas, das emoções sentidas, determinam as crenças que carregamos para o resto da vida. Que podem contribuir ou atrapalhar (e muito) o desenvolvimento e determinar escolhas e caminhos. É muito importante sonhar, brincar. Belfast mostra que mesmo em meio a conflitos políticos e sociais, perdas e lutos é possível ter um momento em família, rir de um bom filme, sonhar com aquelas histórias. Quanto que os filmes, os quadrinhos, além de contar sobre a realidade através de metáforas, também não são uma válvula de escape que nos fortalece e nos faz olhar o mundo com outros olhos. Mesmo em meio a caos externos, que às vezes nem sabemos muito bem de onde vêm, como o pequeno Buddy, é possível encontrar um lugar seguro dentro de si e experimentar o amor e a alegria; e principalmente a esperança. Desde que estes valores estejam presentes no núcleo familiar e com a devida atenção ao criar e o que dizer a uma criança. Ao criar um novo ser humano, ao executar esta missão.

O filme também traz de forma muito delicada a forma de lidar com o luto. Não com foco na dor e na perda, mas no sentimento de gratidão por aqueles que estiveram conosco e por termos tido a oportunidade de conviver com eles.

“Por aqueles ficaram, por aqueles que partiram, por aqueles que perdemos”

Belfast

E uma das mais belas lições do pai para Buddy, foi um novo olhar de futuro para os relacionamentos, especialmente os afetivos; para um olhar além do que foi imposto à geração dele até aquele momento, mas o que realmente importará para a geração do Buddy.

“Não importa se ela é católica, hindu, vegetariana, se ela for gentil e respeitarem um ao outro, ela será muito bem vinda na minha casa”

Belfast

Não por acaso que a história é inspirada na própria vida do diretor, como já mencionado, Kenneth Branagh é um exemplo de quem sonhou com glamour e alcançou um futuro brilhante, sendo um dos atores de maior prestigio e indicações, sendo um dos atores que representou a classe artística no show de abertura das Olímpiadas de 2012 em Londres, e atualmente um dos pioneiros a receber tantas indicações ao Oscar em tantas categorias diferentes.

O filme estreia dia 10 de março e está concorrendo a sete indicações ao Oscar 2022 nas categorias Melhor Diretor, Melhor Roteiro Original, Melhor ator Coadjuvante (Ciarán Hinds), Melhor canção Original (“Down to Joy” de Van Morrison), Melhor Som e o prêmio máximo de Melhor Filme. Ainda acrescento que merecia também a indicação de Melhor Fotografia.

Easter egg: Em uma das cenas de Buddy lendo quadrinhos, ele está com uma edição de Thor. Kenneth Branagh, por coincidência (ou não!) dirigiu o filme de origem do personagem Thor em 2011.