Após o sucesso internacional dos longas “A Dama do Espelho – O Ritual das Trevas” e “A Noiva”, produzidos por Ivan Kapitonov, o diretor Svyatoslav Podgayevskiy de “A Noiva”, recorre à rica tradição da mitologia eslava para dirigir seu novo trabalho em parceria com Ivan Kapitonov: o terror russo “A Sereia – Lago dos Mortos”, trazido às telonas pela Paris Filmes, com estreia agendada para 31/01/19.
Entre os muitos temas do folclore eslavo, Kapitonov e Podgaevsky ficaram particularmente intrigados com a versão russa do mito da Sereia, a Russalka, a qual é o espírito maligno de uma jovem mulher perturbada e perigosa. São histórias de jovens mulheres que cometem suicídio por afogamento por causa de um casamento infeliz, ou abandono por seu marido, ou abuso/assédio por seu marido mais velho, ou ainda afogamento pelo próprio marido após esse saber de uma gravidez indesejada. Após o suicídio, passam a assombrar as águas de sua morte como Russalkas (Sereias), essas que podem subir à superfície, sendo aí o diferencial eslavo, assim facilitando e muito a atração de homens jovens com seu canto e sua beleza – muitas moldadas ao parâmetro de beleza de sua vítima – para com seu corpo escorregadio emboscar os homens hipnotizados quando vão agarrá-las, acabando por cair na água para assim serem afogados. Os homens capturados então se tornam servos pela eternidade. As Russalkas só descansam em paz quando sua morte é vingada, normalmente com a oferenda de outro amor verdadeiro em seu lugar. Uma troca medonha e desesperadora.
O filme, portanto, é focado no sombrio sentimento de vingança das Sereias russas (Russalkas) contra os homens. O diferencial aqui reside na atração e sedução delas pela superfície, separando todos os entes queridos envolvidos pela aura do homem seduzido, para de forma gradativa consumí-los psicologicamente até sucumbirem a perseguição da Sereia até as suas águas. Nessa trama, Roman (Efim Petrunin) encontra uma estranha jovem em um lago próximo a antiga casa de seus pais e, a partir deste encontro, sua vida é colocada em risco pelo beijo ardil da Sereia. Roman e sua noiva Marina (Viktoriya Agalakova) são intensamente assombrados por ela onde quer que vão, diante o seu poder de manifestação por seus objetos pessoais e por qualquer fonte de água próximo das vítimas. Sem outra alternativa, deve o casal juntos recorrer a tudo e a todos para acabar com essa terrível ameaça em suas vidas.
Embora a sinopse do filme seja simples, o roteiro de A Sereia se destacou um pouco mais dos outros filmes de terror. Ainda há vários clichês do gênero de terror, mas as cenas de susto, suspense e história se intercalam de maneira mais orgânica e natural, o que junto com as pequenas reviravoltas na trama (plot twist) – algo diferente para um filme de terror – me prendeu mais ao enredo e a proposta do filme. A título de comparação, o terror de A Freira, para mim, se preocupa muito mais em apenas dar sustos, mostrar cenas medonhas e atmosferas tensas do que efetivamente exaltar o porque de tanto mal na protagonista, tendo me dado o sentimento de um filme apressado e sem naturalidade.
Não há cenas criativas e imprevisíveis de pulos de susto (jump scare), mas entendo que essa ausência não é fator decisivo para um bom filme de terror (vide A Freira de novo, que tem vários sustos). É um elemento esperado, e sendo bem encaixado com o desenrolar da trama torna a sua experiência melhor de ser aproveitada, não deixando a sensação de partes intercaladas de forma abrupta de história e susto puro e simplesmente.
A maquiagem está competente, porém contrastou com os efeitos digitais das transformações da Sereia, que ficaram na média, junto com as interpretações corpóreas dos atores, já que se trata de um filme totalmente russo, inclusive nas fontes de apresentação do filme, tendo sido dublado em inglês. Talvez isso possa ter influenciado nessa análise.
Sua ambientação e uso de cores é bem satisfatória. Os cenários repassam bem os sentimentos do momento, assustadores ou ternos. Intercala momentos de tranquilidade com luzes e cores vivas aos tons de laranja e amarelo, enquanto naturalmente reside os de tensão às cenas de noite, nas tonalidades de azul e cinza.
Após pouco mais da metade do filme, muitos acontecimentos passam a acontecer, quebrando um pouco da calma e suspense até então, tornando o filme um pouco corrido. Muitas decisões são tomadas em muito pouco tempo, gerando todo tipo de ação de um filme de terror, como momentos de quase morte em inundações, rituais, separação do grupo pra preencher a cota de novas vítimas da vilã. E tudo feito com muita finura, pois não se vê uma gota de sangue sequer! Talvez seja consquência da constante chuva e lagos. De toda forma, eu espero isso de filmes de terror. Não me surpreende nem chateia esse tipo de narrativa final.
Recomendo o filme para a famosa “sessão pipoca”, pois o filme é facilmente absorvido, tendo ainda um tempero de suspense para dar uma diferenciada.
Nota: 2,5 cookies.