Um pianinho suave, Jazz tocando, algumas obras de arte no cenário e outros tantos artistas sendo mencionados, fotografia belíssima, e a chuva caindo. Estes são os elementos mais constantes em Um Dia de Chuva em Nova York, que, dentre outros, lembra o filme Meia Noite em Paris, de 2011. Não à toa, já que ambos foram dirigidos e roteirizados por Woody Allen. Se você já viu Meia Noite em Paris, sentirá as nuances e semelhanças em Um Dia de Chuva em Nova York, e curtir a vibe. E se não viu, por favor veja, é riquíssimo artisticamente falando e atemporal! Não importa o ano ou quantas vezes você veja, sempre será encantador!

Um Dia de Chuva em Nova York começa com a oportunidade da jornalista Ashleigh (Elle Fanning) entrevistar, em Manhattan-NY, um famoso diretor de cinema, Roland Pollard (Liev Schreiber). Ashleigh conta a novidade para o namorado Gatsby (Timothée Chalamet) e ambos vão rumo a NY, com planos de além da entrevista, passar um tempo juntos e experienciar momentos que a cidade pode proporcionar. Gatsby, o lado romântico da relação, monta toda a programação com almoços, jantares, visitas a museus de arte e outros passeios. Ele, inclusive, aprecia o andar a pé e a chuva, igual a Gil em Meia Noite em Paris.

Ashleigh está ansiosa com a ideia de conhecer Manhattan pelos olhos do namorado, mas está mais ansiosa ainda com seus compromissos de trabalho e a grande oportunidade de sua carreira como jornalista.

Ao entrevistar Roland Pollard, ocorre uma série de acontecimentos que inserem ela no mundo cinematográfico, como: conversas sinceras com o diretor que abre “furos de reportagem” para ela; bastidores de estúdios; conferência em primeira mão de filme a ser lançado; troca de ideias com Ted Davidoff (Jude Law), o roteirista que trabalha com Rolland; a oportunidade de conhecer atores, como Francisco Vega (Diego Luna); socorrer Ted Davidoff de um apuro sentimental em meio as atividades profissionais e ainda flertar com ele; mas principalmente, falar com Rolland sobre como vê sua arte quando ele confessa que não está gostando do filme que está sendo feito. Ela fala que ele é um espírito livre e criativo e que seus filmes não são comerciais, mas são filmes artísticos e muito bons, e que ele possa estar tendo uma crise artística como Van Gogh. Aliás, falando em artistas, outros também são mencionados durante a trama, seja por um quadro, fala, ou banner de anúncio de exposição no cenário, como Rodin, Degas e Túmulos egípcios de Tutancâmon. Foi um dia e tanto para a garota do interior que em menos de 24 horas mergulha no mundo cinematográfico e jornalístico. Apesar de que nem tudo são rosas e nem todas as situações foram favoráveis ou terminaram de forma agradável.

“O Pensador”, de Rodin | “Auto Retrato”, de Van Gogh | “As Meninas”, de Degas | Egito

A sequência de atividades inesperadas pós entrevistas faz com que ela vá adiando a programação com Gatsby, que ao ter que passar o dia sozinho tem também um dia cheio acontecimentos atípicos. Ele encontra ex-colegas de estudos, amigos, a irmã de uma ex-namorada e o próprio irmão. Neste momento descobrimos mais sobre o personagem. Gatsby vem de uma família muito rica e finge que não está em Nova York para evitar de ter que ir a uma festa chique da mãe, alegando que não tem interesse em ouvir sobre assuntos fúteis ou especulações sobre o seu futuro.

O irmão de Gatsby está noivo, porém não quer casar; gosta da noiva, mas não gostaria de dar um passo a mais. Seus argumentos demonstram infelicidade por ser de “classe social e família x”, devendo fazer o que esperam dele, seguir determinado protocolo, e não o que realmente quer, sem poder ser autêntico, verdadeiro e sincero com os seus sonhos e sentimentos.

São situações que Gatsby quer evitar. Ele é um pouco excêntrico, exótico e não consegue se encaixar em nenhuma área. Vindo de uma criação privilegiada, mas com vários “compromissos obrigatórios”, ele não se encontra, não se acha. Ao decorrer da trama, em que ele acaba tendo que ir na tal festa chique da mãe, percebemos mágoas guardadas pelas altas expectativas da mãe com ele. Mágoas que em uma conversa íntima entre os dois, que segundo o protagonista, é a conversa mais honesta e doida entre eles. Assim, as curas começam a surgir. A mãe fala de sua história cheia de dificuldades e como lutou para ter a vida privilegiada que tem, e que por isso sempre tentou o melhor para o filho lotando ele de atividades, estudos e compromissos que ela não teve. Gatsbyk que subestimava a mãe, não tinha percebido toda batalha que ela teve, e apenas depois desta conversa que começa a se tornar próximo e a valorizar o que tem. No início do filme ele parecia sem rumo e depositava toda a sua carência na namorada e em jogos de pôquer.

“A mãe e o pai são as figuras centrais na vida de qualquer pessoa. Nossa vida se inicia a partir deles e a nossa caminhada é muito influenciada pela cultura da nossa criação e dos valores repassados por eles. Bert Hellinger, um dos grandes nomes da Constelação Familiar e um de seus principais desenvolvedores, observou que tanto o pai quanto a mãe também trazem influências profundas para os filhos, além daquelas geradas pela convivência do dia a dia.”.

Via site Ipê Roxo.

Alguns de seus desabafos também ocorrem com Shannon (Selena Gomes), a irmã da ex-namorada com quem cruzou por Nove York durante este dia em que não passou junto a Ashleigh. Fazendo mais uma comparação com Meia Noite em Paris: a namorada, Ashleigh, não é tão fã da chuva como Gatsby, e Shannon, a garota local, é.

Ao decorrer do filme, alguns acontecimentos chave se desenrolam com o acompanhamento da chuva, como se este fosse o elemento que traz aos personagens insights, mudanças, decepções e demais reflexões. Como se Nova York e a chuva, unidas aos acontecimentos fossem estopins para os protagonistas Ashleigh e Gatsby passassem por situações que os fizeram rever suas prioridades e desejos. No caso de Gatsby, o principal fator foi a cura da mágoa que tinha com a mãe. Reconhecer que a mãe de cada um de nós faz tudo que é possível para dar o seu melhor e que por trás há uma história e talvez uma batalha sofrida com muita dor. Reconhecer com amor e tornar este relacionamento filho/filha-mãe saudável e que com diálogos é algo que influencia diretamente na nossa forma de ver o mundo e realizar escolhas. Talvez seja essa uma das mensagens mais valiosas do filme.

“É difícil para nós, como filhos, termos uma imagem realista da nossa mãe. É comum aplicarmos um olhar idealizado para ela, atribuindo características que falam muito da admiração que nós sentimos por ela. No entanto, como tudo têm polaridades, ao idealizarmos a nossa mãe nós também passamos a exigir um comportamento irreal dela. E, quando ela não corresponde às nossas expectativas, nos queixamos e, então, iniciamos o movimento de nos afastar dela.

Esta é um postura infantil que todos nós experimentamos em algum momento da vida. A armadilha aqui é que muitos ficam presos nesta exigência, sem se dar conta que a imagem que projeta em sua mãe é irreal e até mesmo impossível de ser realizada por ela. Então, para verdadeiramente entrar em contato com a nossa mãe, nós temos que olhar a realidade: ela é um ser humano com talentos e limitações, como a metáfora da luz e da sombra. Ela acertou e irá acertar ainda muitas vezes, mas também errou e poderá errar muito ainda. Se tivermos a capacidade, como filhos pequenos que somos, de liberar nossa mãe das nossas expectativas, iremos experimentar um novo e poderoso vínculo com ela.”.

Via site Ipê Roxo.

Já para Ashleigh, Nova York mostrou o direcionamento da área em que ela realmente se sente feliz em estar inserida como jornalista, mas lidar com situações pessoais dela e às vezes até dos colegas é algo que pode surgir e será preciso lidar com eles de forma profissional.

“Faz parte do processo de crescimento interno lidar com os desafios trazidos pela vida. Às vezes estes desafios surgem em nossa profissão e ambiente de trabalho. Faz parte do nosso caminho mirar na alegria e desejar o prazer, mas a vida continuamente nos mostra que existem outras coisas que também pedem nossa atenção e que nos trazem ensinamentos, mesmo quando eles se apresentam a partir das dificuldades. Encontramos sentido e um caminho pessoal através do nosso papel profissional. É a partir dele que conquistamos os recursos financeiros para viver e seguir nosso caminho na vida. O nosso papel profissional também faz parte daquilo que nos nutre, seja exercendo nossas capacidades ou na nossa melhoria contínua daquilo que oferecemos como serviço ao mundo”.

Via site Ipê Roxo.

O filme não é exatamente sobre a viagem em si, mas sobre o que os acontecimentos causam nos personagens com suas consequentes mudanças de visão de suas próprias vidas. A viagem foi um catalizador para que eles descobrissem e vivessem situações que não esperavam. Às vezes alguns anseios de viver diferente são positivos para o crescimento individual das pessoas, gerando ampliação de perspectivas em áreas que podem não caminhar tão harmonicamente da forma como está um determinado relacionamento. Seja o relacionamento amoroso ou familiar, é preciso seguir rumos diferentes com quem se está próximo, ou firmar laços com quem estava longe.

O filme também não é uma obra comercial e que tão pouco terá grande publicidade. É um filminho sessão da tarde “cozy and confort” (confortável e aconchegante) para ver com uma cobertinha, uma chá quentinho e de preferência com uma garoa lá fora batendo na janela. 2 cookies e meio para acompanhar a sessão e o chá.