No livro Os Arquétipos e o Inconsciente Coletivo de Carl Jung, o autor afirma que “tanto nos mitos e contos de fadas, como nos sonhos, a alma fala de si mesma e os arquétipos se revelam em sua combinação natural”. Dessa maneira, podemos dizer que em qualquer tipo de história haverá elementos da psique humana, mesmo que o autor não tivesse a intenção de colocá-los. A série de televisão Stargate SG-1 (1997-2007) trata da descoberta de um grande círculo de metal capaz de criar “buracos de minhoca” estáveis, possibilitando uma viagem pelo tempo-espaço até outros planetas. Há várias características da mitologia grega e egípcia propositalmente colocadas no roteiro, como o encontro com um grupo de mulheres guerreiras agindo como Amazonas ou a nomeação da primeira nave espacial da Terra de Prometeu, mas é possível encontrar ainda outros elementos da Psicologia Analítica nas entrelinhas. O mais potente encontra-se no objeto que dá o nome ao seriado: o próprio Stargate (círculo de metal). De várias maneiras ele representa o inconsciente, forçando uma evolução e uma ampliação da consciência de todos que passem pelo seu interior. O simbolismo referente ao Stargate fica claro primeiramente pelo seu formato. Jung descreve que “os corpos redondos são formas semelhantes às que o inconsciente traz à tona através dos sonhos, das visões, etc”. Além disso, uma vez que é feita uma conexão entre a Terra e outro planeta, o interior do círculo enche-se com uma substância semelhante a água, a qual nada mais é o símbolo mais comum do inconsciente. Na mitologia grega, a água sempre foi um forte elemento nas tramas, como visto na gravidez de Etra, na morte de Egeu ou na aprovação de Minos como rei de Creta. “É o mundo da água, onde todo vivente flutua em suspenso, onde começa o reino “simpático” da alma de todo o ser vivo”.

O grupo militar da Terra que possui tal dispositivo o usa para explorar outras civilizações, tentando trazer conhecimentos e tecnologia que ajudem tanto os habitantes da Terra quanto na guerra contra os Goa’uld (raça parasita alienígena que usa seres humanos como escravos). Sempre que os grupos passam pelo stargate, eles encontram novas sociedades, as quais fazem com que os personagens e o telespectador reflitam sobre a sua própria. Jung coloca que, para se conhecer a fundo, é necessário encontrar-se com a sua sombra. Ela representa o lado oculto e reprimido de uma pessoa (para os fãs de Dexter, seu dark passenger). A sombra será cruel e  não poupará quem a encontrar, mas é vital para que esse auto conhecimento aconteça. Ao se deparar com terríveis sociedades que discriminam e matam parte de seus habitantes ou ingênuas populações que usam tecnologia avançada para se destruir no lugar de viver pacificamente, os membros que viajaram pelo “inconsciente” percebem não apenas suas sombras projetadas em outros indivíduos, mas também a sombra da sociedade como um todo. Sendo forçados a dialogar com essas pessoas, o grupo toma consciência de suas próprias ações, causando uma transformação pessoal.

Ao decorrer das temporadas, descobrimos que quem criou a rede de stargates foi uma velha raça denominada “Os Anciões”. Eles dominaram as galáxias durante muito tempo, até serem surpreendidos por uma praga. Alguns morreram, enquanto outros acenderam para um plano de existência superior, tornando-se energia. Tais fatos se encaixam na Psicologia Junguiana, uma vez que o círculo, a mandala, representa “um símbolo de totalidade por excelência, um redondo, um completo, um absoluto”. Assim como “Os Anciões”, é algo que sempre foi onipresente. Tendo essa imagem ligada ao fogo e à luz, os povos da antiguidade ligariam tais objetos (ou pessoas que saíssem por eles) com os deuses. Para manter os humanos em seu controle, os Goa’uld se passavam por deuses egípcios, como Rá, Apófis, Hathor e Anúbis. A crença era mantida pelos humanos justamente porque esses seres se locomoviam por meio dos stargates, sem contar que também possuíam grandes naves espaciais num formato parecido, novamente ligando o redondo ao supremo.

Enquanto alguns chamam os seriados americanos de “enlatados”, outros conseguem ver por debaixo da superfície e expandem seus conhecimentos. Nenhuma história existe como tabula rasa, uma vez que são criações de mentes que possuem um inconsciente razoavelmente autônomo. A mitologia e a psicologia analítica estão presentes em qualquer coisa desenvolvida pela mente humana, que está conectada por arquétipos coletivos (como um banco de dados de conteúdos básicos que todas as pessoas têm acesso desde seu nascimento) durante centenas de anos. Quem se interessar pelo assunto, fica a dica do livro já citado Os Arquétipos e o Inconsciente Coletivo e o artigo Um Mito Moderno Sobre Coisas Vistas no Céu, ambos de Jung.