Baseado na história de uma das personagens mais conhecidas do mundo, que muito além de tratar de um sapatinho perdido e um amor avassalador, trata a perda da liberdade e privacidade dentro da própria casa, sendo ainda obrigada a aturar uma madrasta malvada com duas filhas insuportáveis que a tratam como uma criada junto com os perrengues do dia a dia. De quem estou falando? Cinderela! Clássica história de uma das personalidades mais conhecidas do mundo criada pelos irmãos Grimm e cuja versão mais famosa é a da Disney; e que foi a inspiração para o livro Cinderela Pop (2015), da autora brasileira Paula Pimenta. Paula nos apresenta uma Cinderela moderna, cheia de opiniões e atitudes que acabam de ganhar adaptação para o cinema, sendo a primeira obra da autora a sair das páginas para as telas. Vale também lembrar que em 2015 também teve a versão live action da Disney, que já nos apresentou uma Cinderela menos dependente de um príncipe com a  atriz Lili James.

Cinderela 1927 – Cinderela Disney 1950 – Cinderela live action 2015 – Cinderela Pop 2015

Paula Pimenta é muito amada por milhares de pessoas de várias idades, inclusive eu. Conquistando mundo afora e uma legião de fãs que apreciam seus livros e personagens, com algumas de suas obras já possuindo versões em outros idiomas. Seu jeito de escrever é tão fluído e deliciosos de ler que seus livros facilmente são devorados, além de cada capítulo conter sempre uma ponta aberta que te deixa curioso e ansioso para continuar lendo mais e mais. Histórias doces, paixão por séries, filmes, romance, viagens, sonhos, amizade, crescimento, conquistas, desilusões e desafios são assuntos muito recorrentes e tratados de forma que há fácil identificação com o leitor. Considerada autora de “livros cor de rosa” (bonitinhos!) ela baseia muito dos roteiros em suas próprias experiências e histórias de vida como inspiração para escrever.

Conheci as obras de Paula Pimenta pela curiosidade. A capa e o tema da série “Fazendo o Meu Filme” chamou a minha atenção na livraria. Tanto como cinéfila, como Designer, pois cada elemento retratado naquela ilustração me lembrava algo importante na minha vida ou que ainda sonho em viver. Comprei os dois primeiros livros da saga de uma vez e alí iniciava-se um caminho sem volta! Assim como também contagiei outros a minha volta como minha mãe, irmãs e minha grande amiga Pati.

Capas do “Fazendo o Meu Filme – Vol 1” em português, inglês e espanhol.

Conheci também a outra saga da autora: “Minha Vida Fora de Série”, os livros extras como de crônicas, e os inspirados em princesas Disney na sequência, assim como fui prestigiar cada lançamento aqui em Curitiba, desde então, para conhecer a Paula pessoalmente. A primeira vez foi justamente em um de seus livros de princesa. Essas, porém, trazidas para a nossa realidade e retratadas de forma moderna, e aí que veio Cinderela Pop (atualmente já há mais duas publicações desta coleção: “Princesa Adormecida” e “Princesa das Águas”).

Prestigiando Paula Pimenta em diversos lançamentos em Curitiba

E agora vamos à análise do filme plus comparações do livro! A história que no livro inicia-se com devaneios do passado como se fosse uma página de um conto “Era uma vez”, no filme já começa um pouco diferente. Ainda com devaneios do passado, mas em uma celebração de bodas de casamento da família Dorela, que ao invés de um apartamento em um prédio alto, fazendo analogia as imensas torres de castelos, é uma mansão. Neste primeiro ato vemos a história por dois pontos de vista, o da protagonista Cintia e do “mocinho” Frederico, que na sequência passa a ser conhecido pelo nome artístico Fredy Prince.

Durante a festa de bodas dos pais já verificamos o mundo de conto de fadas da protagonista ir por água baixo logo após uma homenagem de Cintia, que é apaixonada por música, tocar um arranjo diferente em uma música de Beethoven, o que desconcentra os pais na dança fazendo o pai César cair na piscina, deixando-o muito bravo! Ao ser acudido pela secretária Patrícia, minutos após o ocorrido, ambos são desmascarados se beijando! Imediatamente a festa acaba e o casamento também.

Nessa festa Fedy Prince ainda não é famoso e faz parte da banda de cordas contratada para a celebração, além de já estar desde o início acompanhado da amiga de infância Belinha, que ainda não era famosa também pelo “Blog da Belinha”, que é um meio de imprensa divisor de águas para filtrar as fofocas e especulações da vida de Fredy Prince, que pela fama se obriga a lidar com a famosa dualidade que artistas famosos passam a enfrentam: fofocas e especulações da mídia X realidade da vida pessoal.

Seguindo os acontecimentos, a madrasta assume o papel de dona da mansão ao lado de César junto com as filhas gêmeas Grazieli e Giseli que se tornam meia-irmãs de Cintia. A mãe Ana vai embora do país para seguir expedições arqueológicas no Japão e Cintia vai morar com a tia Helena, que em vez de ser desenhista como no livro, no filme é compositora de poesia concreta brasileira. Confesso que não gostei muito desta alteração. Estava doida para ver os diversos materiais e experimentos artísticos espalhados pela casa, como mencionado no livro, e que faz muito sentido na história, pois a tia age como uma fada madrinha responsável pelo sapatinho mágico da nossa Cinderela: Um All Star preto com desenhos de notas musicais e cartas de baralho.

All Star no livro e no filme.

Abalada pela separação dos pais e seu castelo desmoronado, desacreditada do amor e cheia de opiniões um pouco negativa sobre tudo, Cintia precisa achar formas de descontar sua frustração. Em sua nova rotina ela aprende com o namorado da tia, o Rafa, a fazer mixagem de som, passando então a fazer alguns trabalhos esporádicos como DJ. Em uma destes freellas arranjado por Rafa, numa festa para terceira idade, ela ganha o apelido de DJ Cinderela ao responder seu nome a uma senhora como “Cintia Dorela” e que aos ouvidos já não tão apurados da senhora soam como “DJ Cinderela”. Mais uma adaptação, que no livro ela ganha o apelido do próprio – e músico famoso e ídolo adolescente – Fredy Prince. É interessante observar na passagem de mudança de vida de Cintia o quanto o psicológico emocional dela influencia na forma de se vestir e agir. No início usando cores claras e coloridas, roupas mais femininas como vestido e sandália e expressão corporal leve, enquanto que na transição de cena demonstrando passagem do tempo vemos uma expressão facial triste, tons de voz mais ríspidos, assim como roupas escuras e mais casuais como calças e tênis.

Assuntos como a diferença de valorização entre beleza interior X exterior são muito presentes nos diálogos da madrasta Patrícia com as filhas gêmeas, Gisele e Graziele, as meia-irmãs de Cintia. Quanto a beleza exterior, causa bullying na própria filha Gisele, discutindo sem o menor sentido que ela precisa cuidar mais do peso. Já quanto a beleza interior, incentiva Graziele a sempre aplicar o tal do “jeitinho para conseguir as coisas”, a ir contra as regras, incentivando trapaça, chantagem e demais condutas pobres de alma. Trapaça tão grande da madrasta, que já foi a responsável pela destruição da família Dorela, que burla o sistema de boletim da escola alterando as notas altas da Cintia fazendo o pai dela pensar que ela merece ser castigada e faltar a própria formatura.

Relacionamento amoroso também é destaque na trama, como se espera desse conto, entre um príncipe e uma princesa. As lições presentes saem do próprio Fredy Prince, que tem destaque, fama e que teoricamente poderia escolher a menina que quisesse, mas cuja intenção reflete uma pessoa sensível, sincera e que não liga para “cascas”. Busca e vê o amor como algo que independe da fama e do exterior, importando tão somente ver como a pessoa é por dentro e como trata os outros. Fredy deixa claro sua intenção e desejo de conhecer alguém diferente das fãs histéricas que tanto o perseguem, mas uma menina que tivesse opiniões próprias e que se destacasse, que gostasse das mesmas coisas que ele, mas que ao mesmo tempo o surpreendesse (confiram na página 52 do livro).

Dessa forma, Cintia chama sua atenção. Em um baile de máscaras no qual todas são iguais e estão vestidas de princesa. Cintia está de rainha de copas e de All Star (aquele que a tia personalizou especialmente para combinar com a fantasia). Neste momento em que se conhecem, a protagonista está trabalhando de DJ na festa das meia-irmãs, disfarçada para não ser reconhecida pelo pai. Fredy que se sente atraído pela mixagem musical de sua própria música, disfarçado e mascarado, vai até ela para conversar. E aí que eles percebem, conversando, mesmo sem saberem muito quem são, afinidade e similaridade de gostos e ideias. É não ver a pessoa por completo e se apaixonar completamente pelo interior (página 62).

Esta situação me lembra uma citação muito interessante do livro da Bel Pesce “A sua melhor versão te leva além” (Editora Enkla, disponível nesse link) que diz o seguinte:

“Os melhores aprendizados que temos com outras pessoas não são planejados. Eles aparecem em longas e honestas conversas sobre a vida. Aquelas conversas com tantas ramificações e tantos assuntos para falar que os dois lados geram uma conexão muito forte, e se abrem um com o outro de uma forma linda e transparente.”.

Entre idas e vindas, e altos e baixos como todo romance, e pressão psicológica e sabotagem da madrasta, vemos o crescimento da protagonista enfrentado seus problemas e indo atrás de seus sonhos. Alguém que toma consciência e atitudes do que pode fazer e do que quer fazer. O mesmo vale para a “irmã esquecida” Gisele que se volta contra as crueldades da mãe e muda o rumo de sua vida.

O relacionamento com a mãe Ana, mesmo que a distância, também tem um peso muito grande nas ações de Cintia, pois apenas quando a mãe fala para a filha que está angustiada de vê-la vibrando em negatividade contra o amor, quando antes era tão alegre, é que os insights e a força interior começam a surgir. A mãe diz que não é pelo casamento dela ter dado errado que o amor não existe e que as pessoas não podem ser felizes juntas, mas é que as vezes uma pessoa especial pode estar bem na nossa frente e não conseguimos enxergar pelo fato de ela estar escondida atrás de um disfarce, fingindo ser quem não é, fazendo-a lembrar do momento em que conheceu seu príncipe.

No geral o filme é divertido, bonitinho, mas que ainda faltou muito da magia que contém nos livros: os detalhes fantásticos imaginados pela autora. Sabemos que adaptar uma história de uma mídia para outra tem seus desafios e já é esperado que muitas alterações sejam feitas e adaptadas. Confesso que também fiquei um tanto preocupada com a escolha de Maísa Silva como protagonista, pois as últimas aparições que eu tinha visto da jovem atriz mostrava uma pessoa um tanto encrenqueira. Como leitora, fiquei com receio que estragasse a personagem. Porém, ao conferir a obra fiquei feliz que ela tenha se encaixado bem no que eu imaginei de Cintia Dorela. Outra coisa legal no filme é que temos um rápido easter egg com a própria Paula Pimenta fazendo uma pontinha no filme. Adoraria que ela tivesse aparecido mais.

Os livros de Paula relatam muito da história em primeira pessoa. Lemos aos olhos e pensamentos dos personagens. Muito disto foi adaptado no filme, pois não há como colocar em poucas horas tudo que se passa na cabeça dos personagens o tempo todo. Assim, eu recomendo imensamente a leitura de todas as publicações da autora, para não perderem metade da diversão que é entrar neste universo.

O livro Cinderela Pop é facilmente lido em uma tarde. É possível adquirir a obra na ilustração original nesse link, ou com a capa do filme nesse outro link.

3 cookies pela obra! Torço para continuarem fazendo adaptações da Paula Pimenta, e dentro das possibilidades que os roteiros sejam um pouquiiiiinho mais fiéis aos livros. De qualquer forma, é um filme para um momento de descontração como se qualquer pessoa pudesse viver um pouco da história da Cinderela, mas no mundo moderno!

 

 

[BÔNUS]

Detalhes que se destacam nos livros de Paula são frases e citações de filmes, séries, livros e músicas que casem com o que está acontecendo em determinados capítulos em determinadas coleções. Eles servem também para o expectador conhecer coisas novas, o que é bem legal. Por exemplo, em “Fazendo o Meu filme” há falas de filmes, em “Minha Vida Fora de Série” há falas de séries, e quase todos há diversas playlists. Ainda, há alguns poemas e músicas escritas pela própria Paula – que também é compositora – especialmente para a obra, e com Cinderela Pop a música de mesmo nome, presente na última página do livro, que já tinha uma versão no YouTube no canal do Grupo Editorial Record, presente no filme na voz de Fredy Prince. Confiram a seguir: