Teve muita gente reclamando que Gravidade estava tendo uma hype enorme, e que o filme provavelmente nem seria grande coisa. Essas pessoas estavam BEM erradas. Gravidade é facilmente um dos melhores filmes do ano – e ele vai te deixar desconfortável e angustiado quase o tempo inteiro.

Você consegue achar facilmente críticas gerais por aí. O que eu pretendo fazer aqui é apontar um aspecto específico do filme: a FANTÁSTICA metáfora de renascimento que é a jornada da personagem da Sandra Bullock, a Dra. Ryan Stone. Eu já tinha lido em algumas entrevistas que o diretor Alfonso Cuarón pretendia abordar esse elemento na trama, mas eu nunca achei que seria algo tão perfeito. Principalmente se você comparar com o que Carl Jung (o criador da psicologia analítica) tem a dizer sobre isso.

Mas pra poder falar sobre o assunto, eu vou citar várias partes da trama. Então se você ainda não assistiu ao filme, salve a página e vá ter uma ótima experiência no cinema. Depois a gente conversa. 😀

A Definição

Assistindo aos trailers, aqueles haters do começo do texto disseram que o filme não conseguiria se sustentar com a Sandra Bullock perdida no espaço o tempo todo. Nesse ponto eles teriam razão – só que a maioria das cenas vistas nos teasers eram do começo do longa. Quando Ryan consegue entrar naquela estação espacial antes da metade do filme, você percebe que sua angustia será levada a novos níveis, e é nesse momento que temos uma das duas cenas mais marcantes ao falar de renascimento. Ela entra na estação, tira a roupa de astronauta e se solta, girando na posição fetal como um bebê no útero da mãe. Com um cabo dando impressão do cordão umbilical, essa imagem marca o começo da trajetória que irá mudar completamente a vida da personagem.

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Ao falar desse conceito no livro Os Arquétipos e o Inconsciente Coletivo, Jung afirma que isso diz respeito ao renascimento durante a vida individual. A palavra, que vem do inglês “rebirth”, possui uma conotação que indica a ideia da renovação ou mesmo aperfeiçoamento. Partes da personalidade podem ser curadas, fortalecidas ou melhoradas.

Ou seja, nós temos aqui uma mulher genial que parou de viver devido a um trauma muito grande. Sua vida se resumia a trabalhar e vagar com seu carro durante horas. Ela precisava de uma mudança. E nesse caso, ela será curada, fortalecida E melhorada.

O Processo

Sozinha, Ryan precisa lutar – e muito – pra sobreviver e voltar para casa. Jung coloca que “diz-se com razão que o homem cresce com a grandeza de sua tarefa. Mas ele deve ter dentro de si a capacidade de crescer, senão nem a mais árdua tarefa servir-lhe-á de alguma coisa. No máximo, ela o destruirá“. A doutora poderia ter sido destruída várias vezes se ela não tivesse o necessário dentro de si. Toda vez que ela conseguia completar uma tarefa, algo dava errado, e ela precisava forçar ainda mais pra conseguir sair daquele lugar.

Houve, no entanto, uma hora em que ela quase desistiu. E esse é o momento da verdade, o momento em que tudo muda. O personagem do George Clooney aparece do nada e entra na nave sem combustível que Ryan está, e você pensa que a produção deixou completamente de lado todas as normas da física e de roteiro OU que a mulher morreu de vez. Mas quando você está quase acreditando que o filme virou uma porcaria, o Clooney desaparece e a boa Dra. Stone tem uma epifania. Ela aceita seguir em frente. Ela aceita a morte de sua filha e de seu colega e tem coragem de viver novamente. Só que isso só foi possível depois que ela tirou uma ideia com seu próprio inconsciente (o seu eu interior).

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Jung cita no livro o encontro de Nietzsche com Zaratustra em Assim Falou Zaratustra, e também a referência bíblica do encontro de Paulo com Cristo: “Cristo veio de repente ao seu encontro na estrada de Damasco. Embora o Cristo que apareceu a Paulo não fosse possível sem o Jesus histórico, o aparecimento de Cristo a Paulo não proveio do Jesus histórico, mas sim do seu inconsciente“. Depois dos encontros, Nietzche, Paulo e Ryan resolveram seguir por um novo caminho. Não há ninguém como você mesmo para lhe fazer refletir e tomar as decisões certas.

E deixando ainda mais potente todos esses símbolos de transformação, é possível citar mais uma parte do livro de Jung em que ele traz a 18ª Sura do Corão – intitulada “A Gruta” – que contém o mistério do renascimento. “A gruta é o lugar do renascimento, aquele espaço oco secreto em que se é encerrado, a fim de ser incubado e renovado. O Corão diz sobre ele: “Talvez tenhas visto o Sol, como se inclinava ao nascer, a partir de sua gruta à esquerda ao poente, enquanto eles (os adormecidos) permaneciam no meio espaçoso“”. Tem coisa mais perfeita do que o espaço oco de dentro da nave em que Ryan viu o Sol e foi renovada?

O Renascimento

Uma vez pronta para viver, ela passa por uma última prova. Ryan é quase destruída ao penetrar na atmosfera, mas consegue pousar num lago (ou mar. Ou algo assim). Mesmo que esse final tenha feito você pensar “MEU DEUS É AGORA QUE ESSA MULHER MORRE AFOGADA OU COMIDA POR UM JACARÉ!!”, ele não poderia ser de outra maneira. A água é maior símbolo do inconsciente – e essa luta faz a personagem sair do seu mundo privado e voltar para a realidade; além de fazer uma alusão ao parto verdadeiro.

Ela sai da água e fica em pé (a gente desconsidera o fato de que ela não conseguiria fazer isso tão rápido), enquanto a câmera faz um movimento que revela Ryan de baixo para cima. Grandiosa, lá está uma nova mulher pronta pra desbravar o mundo – com uma consciência limpa e uma história incrível. 😀