Parte 1 – Expectativa (sem spoilers)

Desde que o J. J. Jameson vivido por J. K. Simmons apareceu na cena pós-créditos de Homem-Aranha: Longe de Casa, começaram as especulações de que o Multiverso, mais do que apenas uma ilusão do vilão Mysterio, poderia ser, de fato, “real” no Universo Cinematográfico Marvel. A presença do Doutor Estranho (Benedict Cumberbatch), confirmada desde o início da produção deste que viria a ser o terceiro filme protagonizado pelo Peter Parker de Tom Holland, já provocava suspeitas de que a trama poderia ter implicações espaço-temporais.

Então, no decorrer dos meses, nomes foram sendo anunciados para este novo episódio da saga do Amigão da Vizinhança, reprisando os papéis dos vilões que viveram nos longas anteriores, e que fazem parte de FRANQUIAS DIFERENTES! Sim, o Doutor Octopus de Alfred Molina (visto em Homem-Aranha 2 com Tobey Maguire no papel do Aracnídeo) e o Electro de Jamie Foxx (visto em O Espetacular Homem-Aranha 2 com o Teioso vivido por Andrew Garfield) estariam de volta.

A partir daí, rumores e teorias tomaram conta da internet, e a possibilidade de ver os três Aranhas em um mesmo filme passou a ser tangível! Apimentando ainda mais as expectativas, a cautelosa campanha de marketing também nos revelou a presença do Duende Verde (Willem Dafoe), Lagarto e Homem-Areia. Chegamos, portanto, a cinco vilões confirmados para este novo longa. Com apenas mais um, eles poderiam formar o Sexteto Sinistro, grupo que, no decorrer de décadas, já deu muito trabalho para o Escalador de Paredes nos quadrinhos.

O conceito de realidades alternativas e universos paralelos foi utilizado pela Marvel Comics pela primeira vez em 1977, nas páginas da revista What If…? que, não por acaso, ganhou sua própria série animada neste mesmo ano de 2021, em que também viajamos pelos acontecimentos mostrados nas séries do Disney+ que deram uma sacudida com o espaço-tempo do MCU: WandaVision e Loki, esta última tendo aberto de vez as portas do Multiverso para a Marvel nos cinemas.

Eis que, finalmente, chegou às telonas o tão aguardado Homem-Aranha: Sem Volta Para Casa! É louvável o esforço de toda a campanha de divulgação que se empenhou em manter até o último segundo (apesar dos inevitáveis vazamentos) o suspense e o mistério acerca da participação ou não de Tobey Maguire e Andrew Garfield neste longa, formando com Tom Holland o tão sonhado trio de Homens-Aranha!

Afinal de contas, o Aranhaverso, sucesso nas HQs e animações, finalmente chegou ao live-action?

Parte 2 – Realidade(s) (com spoilers)

A resposta é SIM!

Homem-Aranha: Sem Volta Para Casa é mais uma realização de sonhos de infância de leitores de quadrinhos que liam aquelas páginas escritas e desenhadas com extremo capricho e cuidado, envolvendo tantas pirações interdimensionais, e adoravam exercitar a criatividade, visualizando em suas mentes aquelas histórias e reimaginando-as em um mundo “real”. E hoje, o cinema nos proporciona essa experiência ímpar de vermos três Homens-Aranha de três gerações diferentes, juntos em um mesmo filme. Obrigado, Disney, Marvel Studios, Sony, Kevin Fiege & Cia. por terem feito isso acontecer.

Mas antes do aguardadíssimo e celebradíssimo momento em que Andrew e Tobey surgem em cena, a trama já avançou bastante. Devido a uma atitude ingênua por parte de Parker, que pede ajuda ao Doutor Estranho (outro “irresponsável”) para que todos esqueçam que ele é o Homem-Aranha (fato espalhado pela imprensa por JJJ no final do filme anterior), é lançado um feitiço que dá errado e acaba trazendo de outros universos nada menos do que os cinco vilões acima citados. O “quinteto sinistro” é então capturado por Parker e Strange, e este quer rapidamente mandá-los de volta aos lugares de onde vieram, alertando Parker quanto aos perigos de se envolver com o Multiverso. Mas nosso herói, a princípio relutante, é incentivado pela Tia May (Marisa Tomei) a ajudar aquelas pessoas, e decide não enviar os visitantes de volta às suas realidades, pelo menos não antes de tentar consertá-los, ou melhor, curá-los.

“Nós vamos consertar, vamos curar todos eles.”

– Peter Parker

Mas é claro que algo dá errado nessa história. Então, após uma sucessão de eventos que culmina em um trágico acontecimento, MJ (Zendaya), a namorada de Parker, e Ned (Jacob Batalon), seu melhor amigo, acabam, quase que por acaso, conhecendo um cara vestido e com poderes de Homem-Aranha e um outro “cara aleatório”, que também chegaram à “nossa” realidade naquele malfadado feitiço do Strange. Trata-se de Peter Parker e Peter Parker que, juntamente com Peter Parker, terão que trabalhar em conjunto para tentar reverter a caótica situação que se estabeleceu. Yes!!!

Um dos grandes baratos deste filme é justamente a espontaneidade com que os Aranhas interagem entre si, com diálogos que fluem tão naturalmente quanto a teia orgânica que sai das mãos do Aranha-Tobey, para espanto do Aranha-Andrew e do Aranha-Tom. O famigerado meme dos Aranhas, um apontando para o outro, também não poderia faltar! Há também momentos verdadeiramente comoventes, como aquele em que, após trocarem ideias sobre quais vilões cada um deles enfrentou, Andrew diz que se considera um amador se comparado aos outros dois, ao passo que Tobey, com toda serenidade, e quase metalinguisticamente, lhe diz:

“Você é Espetacular!” (“You are Amazing!”)

– Peter Parker para Peter Parker

O Parker de Andrew Garfield, um grande ator (não só por ser o mais alto dos três, mas por seu genuíno talento, protagonista daqueles dois longas do Aranha cujos roteiros não o beneficiaram), se mostra notoriamente o mais carente dos três. “Eu sempre quis ter irmãos!” E ele tem mais um momento de redenção logo adiante: após nos lembrar de que não conseguiu salvar Gwen Stacy, ele sente um misto de tristeza e alívio quando consegue salvar MJ. Comovente.

E Tobey Maguire? O Homem-Aranha que, em 2002, ajudou a abrir as portas para esta sensacional Era dos Filmes de Super-Heróis que estamos vivenciando hoje, faz jus a toda a admiração que o público tem por ele. A dor nas costas do personagem remete à queda real do ator na época das filmagens de seu segundo longa como Aranha, lá em 2004, além de render aqui outra cena muito bem-humorada. As expressões no rosto do ator, hoje com 46 anos, nos mostram a maturidade de um Peter que aprendeu a lidar com o dom que lhe foi dado e venceu muitos dos dilemas e inseguranças de sua juventude. O que nos leva à sua menção ao Tio Ben, e ÀQUELA frase que define o Homem-Aranha como personagem, mais um belíssimo momento digno de figurar entre os mais tocantes desta obra que soube dosar na medida certa a importância que cada uma destas versões do herói teve para suas respectivas gerações.

Willem Defoe, Alfred Molina e Jamie Foxx.

Entre os antagonistas, foi ótimo ver Alfred Molina rejuvenescido digitalmente como o Doutor Octopus, e mantendo sua personalidade um tanto quanto paterna em relação ao “seu” Homem-Aranha. Igualmente prazeroso foi ver todo o talento de Willem Defoe como o Duende Verde que, não por acaso, quebra sua máscara já em seus primeiros minutos de cena, evidenciando o foco que será dado às suas insanas expressões faciais. Electro, que antes era uma caricatura azul de vilão de ficção-científica barata, também se redime, não só na aparência, mas no curto diálogo que tem com o “seu” Homem-Aranha. É quase como se Jamie Foxx também acenasse para a plateia, e então ele solta:

“Deve haver um Homem-Aranha negro em algum lugar.”

– Electro

Além desta mais do que bem-vinda sugestão à Miles Morales, temos ainda Charlie Cox, o Demolidor da Netflix, devidamente oficializado no MCU, Venom, Wanda, prévia de Doutor Estranho no Multiverso da LoucuraHomem-Aranha: Sem Volta Para Casa é o melhor presente de Natal que os fãs poderiam ganhar este ano! Portanto, de forma grandiosa, o diretor Jon Watts conclui a primeira trilogia do Homem-Aranha de Tom Holland, na qual o personagem, assim como seus compatriotas dos dois outros universos (e sabe-se lá mais quantos), também precisou passar por uma situação traumática e superá-la. No decorrer destes três longas, vimos um menino ingênuo, inseguro e inconsequente se transformando em um jovem adulto, plenamente ciente da verdade contida na lendária frase compartilhada por décadas pela família Parker, que diz:

“Com grandes poderes, vêm grandes responsabilidades.”

– Tia May

O esquecimento de memória universal efetuado no desfecho seria o pretexto ideal para o MCU prosseguir sem qualquer menção futura ao Homem-Aranha, isso SE a Sony não quisesse renovar a parceria com a Disney. Mas a aprovação praticamente unânime de público e crítica e a forma como essa obra evoluiu Parker como um personagem, enfim, mais consistente, já nos garantem, de acordo com declarações feitas por ambas as partes, a continuidade do Aranha de Holland neste não menos do que maravilhoso Universo Cinematográfico Marvel!

Um gesto singelo, no epílogo, mostra bem a atual forma de pensar deste Peter agora maduro, embora a decisão que tome seja extremamente dolorosa para seu coração: ao ver um pequeno curativo na testa de MJ, isso traz à sua mente os momentos difíceis pelos quais ela também passou, por ter sido a namorada do Homem-Aranha, então, ele guarda no bolso o discurso que tinha ensaiado e prefere não lhe dizer a verdade sobre quem ele realmente é. Sacrifício. Altruísmo. Amadurecimento.

Benedict Wong, Benedict Cumberbatch, Jacob Batalon, Marisa Tomei, Zendaya e Tom Holland na Première do filme, em Los Angeles.

E nos minutos finais, quando vemos um Peter tristonho chegar no minúsculo apartamento que alugou para morar, desempacotando suas caixas, ouvindo pelo celular alguma frequência da polícia à espera do chamamento de alguém precisando de ajuda, então a câmera focaliza a máquina de costura e partes de seu uniforme, em seguida ele abre a janela e o filme encerra com o nosso herói saltando por entre os telhados para mais um salvamento, toda essa sequência, além de justificar o subtítulo da produção, ainda nos dá a certeza de que este Homem-Aranha finalmente traz consigo a essência das raízes do personagem, novamente transposto com reverência diretamente das páginas dos quadrinhos para a tela do cinema. Afinal, além da icônica lição sobre poder e responsabilidade, sua querida Tia May também lhe deixou outra frase, da qual Peter Parker se lembrará para sempre.

“Quando você salva uma pessoa, você salva todas.”

– Tia May

Homem-Aranha: Sem Volta Para Casa é mais um filme merecedor de cinco cookies!