“Alguns amigos você sabe que terá para o resto da sua vida.”

Essa frase, narrada em off, dá início ao filme, nos trazendo a história de seis
amigos que acabaram de se formar na Universidade de Cambridge e que estão celebrando a chegada de 1982 na mansão de um deles. É feito um registro fotográfico desse momento tão marcante para suas vidas que, a partir dali, tomarão rumos diferentes. Dez anos se passam e o mesmo anfitrião de outrora os convida para uma nova celebração de Ano Novo. Todos aceitam e se reúnem uma vez mais, após tanto tempo sem estarem juntos. Então, emergem da memória os momentos inesquecíveis vividos naqueles bons tempos, época em que formavam uma trupe e até dançavam Cancã (aquela tradicional dança francesa). Relembram alegremente as canções, as risadas, as emoções, mas, aos poucos, também vão se revelando as desilusões, as angustias, as decepções e os… segredos.

Para o Resto de Nossas Vidas parece uma comédia, tem cara de comédia,
trejeitos de comédia, e pode até te fazer rir em alguns momentos, mas em
outros… poderá te fazer chorar. Trata-se de um melodrama, e da melhor
qualidade, com casados e solteiros, encontros e desencontros, e as mais
diversas situações que podem envolver a vida da nossa sociedade contemporânea com o passar dos anos. Inevitavelmente, quem assiste vai se identificar com um ou mais personagens que, por sua vez, não hesitam em exibirem suas fragilidades, ora com aspereza e de maneiras constrangedoras, ora com sensibilidade e de forma tocante.

É Peter (Stephen Fry) quem faz o convite a seus amigos, daí o título original do longa, Peter’s Friends. Ele acabou de herdar a mansão da família, após a morte de seu pai, e quer dar uma última festa antes de vende-la. Logo, surgem os convidados. Andrew (Kenneth Branagh, que também é o diretor do filme), se tornou roteirista em Los Angeles. Lá, conheceu sua esposa, Carol (Rita Rudner), atriz de uma sitcom (série de comédia norte-americana) que nem todos conhecem, e dona de uma personalidade não muito compatível com a de seu marido. Maggie (Emma Thompson) trabalha com publicação de livros, vive com seu gato (felino), e está muito empolgada em rever todos novamente, especialmente um deles! A figurinista Sarah (Alphonisia Emmanuel), chega acompanhada de Brian (Tony Slattery), que conheceu há poucas semanas, e cujos comentários e piadas são, no mínimo, deselegantes! Roger e Mary (Hugh Laurie, o Dr. House em pessoa, e Imelda Staunton, a Prof. Dolores Umbridge, que se torna diretora e personagem mais impetulante de Hogwarts em Harry Potter e a Ordem da Fênix, portanto, um casal perfeito, SQN), já namoravam na época da faculdade, casaram-se e passaram a compor jingles para comerciais de TV. Mary é uma mãe mega protetora, ligando da casa de Peter para sua babá a cada meia hora (ou menos) para saber como o bebê está. Mas ela tem um bom motivo para isso… Ah, uma curiosidade bem sentimental e familiar: a atriz Phyllida Law, que interpreta a “fria” (mas de bom coração) governanta da mansão, é, na vida real, a mãe de Emma Thompson!

Este elenco afinadíssimo foi muito bem dirigido por Branagh. E é normal em sua filmografia ele acumular as funções de diretor e ator. Neste caso, como (quase) sempre, ele executou ambas muito bem. Entre seus méritos na condução do longa está a opção por não ter definido um protagonista para a trama, o que permite uma melhor absorção por parte do expectador de todo o emaranhado de sentimentos e emoções vividos pelos seis amigos, pois todos têm seus momentos, no mesmo nível de igualdade. O cineasta também soube lidar muito bem com a questão da bissexualidade e da AIDS, temas que são tratados com extrema delicadeza, sem recorrer a nenhum juízo de valor, isso em uma época em que ambos os assuntos ainda eram vistos com muita desconfiança e falta de conhecimento por parte da sociedade.

A fotografia consegue captar toda a essência britânica da obra. As poucas
cenas externas são permeadas por aquele cinza típico da terra da Rainha. A
condução da câmera é elegante, investindo em planos-sequência sutis, que
circulam vagarosamente por entre os personagens, enquanto eles se ocupam com agradáveis recordações ou intensas discussões nos espaçosos cômodos da mansão onde se passa a maior parte da trama. E a trilha sonora? Repleta de clássicos do Pop, com destaque para “Everybody Wants To Rule The World” do Tears For Fears, “Girls Just Want To Have Fun” da Cyndi Lauper, “You’re My Best Friend” do Queen e “Hungry Heart” do Bruce Springsteen. Essas canções são executadas já no primeiro ato do filme, quando o clima de alegria e celebração ainda predomina, e os problemas ainda não vieram à tona para o expectador. O segundo ato é ilustrado por canções mais melancólicas, porém, não menos belas. E será que haverá espaço no terceiro ato para canções que retomem a empolgação inicial?

Para o Resto de Nossas Vidas entrou em cartaz em 1992 e, naquela mesma
época, fez parte da coleção de fitas VHS (isso mesmo!) da Videoteca Caras,
mas, inexplicavelmente, nunca foi lançado oficialmente no Brasil em DVD. Fica a esperança de que algum serviço de streaming disponibilize essa obra tão sentimental, que tem tanto a dizer ao expectador, e que merece ser (re)descoberta. Afinal, todos nós, que sabemos dar valor às nossas velhas amizades, além de sempre procurarmos cultivar novas, ao assistirmos a este longa, poderemos talvez até nos lembrar de termos vivido situações constrangedoras semelhantes às mostradas na projeção, porém, certamente, nos lembraremos muito mais de nossos momentos felizes, ao lado de pessoas queridas, momentos que permanecerão guardados com todo o carinho no coração e na memória… para o resto de nossas vidas.

Sobre o autor: Formado em Comunicação Social – Jornalismo, Roberto Oliveira desde sempre vem exercendo a escrita em sites nerds/geeks e contribuindo para a semeadura da Cultura Pop. Cinéfilo inveterado, também é radialista e colaborou com a galera do Serial Cookies em várias ocasiões, inclusive nas Lives do Oscar, que já estão se tornando tradição! Defende a paz entre marvetes e decenautas e curte quase todas as ramificações da produção audiovisual, com destaque para ficção científica, fantasia e, claro, os super-heróis, e “viaja” com histórias que envolvam viagens no tempo!