Afinal, o que é ser um anti-herói?

O ator Vin Diesel traz a vida nas telas do cinema o personagem mais violento do Universo Valiant Comics: Ray Garrison, conhecido como Bloodshot, estreará nos cinemas em 12/03/2020. Ele é um super-herói (anti-herói) que consegue se regenerar dos danos sofridos e que está em busca de vingança.

Criado no ano de 1992 por Yvel Guichet e Kevin Vanhook, Bloodshot mostra a trajetória de um soldado que após ser assassinado ao lado da esposa, foi trazido de volta à vida e transformado em uma arma pelo Projeto Espíritos Ascendentes, uma iniciativa privada mercenária que através de infusão de nanotecnologia o tornando mais forte, ágil e resistente do que qualquer outro ser humano.

Em um mundo obcecado pelos avanços tecnológicos, o Projeto Espíritos Ascendentes tinha por objetivo criar soldados avançados, mas dispensáveis para os cenários mais simples das guerras e, entre erros e acertos, o projeto acaba atingindo outro nível ao criar Bloodshot.

Além da ampliação das capacidades físicas, os milhões de nanites injetados em seu corpo promovem um fator de regeneração celular que lhe permitem curar praticamente qualquer ferimento. Contudo, tornar-se a arma perfeita teve um preço: a perda de sua memória.

Ao apagarem sua memória várias vezes o protagonista começa a viver lembranças de uma vida que nunca existiu. Quando finalmente descobre sua identidade decide partir em um busca de vingança contra aqueles que o transformaram em uma arma viva.

No mundo dos quadrinhos é muito difícil criar um personagem 100% original, em que pese Bloodshot lembrar uma mistura de Capitão América com Wolwerine e Justiceiro, este caldeirão de ideias se destaca pela tentativa de motivar as ações do protagonista que se vê ora agindo por ambições pessoais em busca de vingança, ora tentando livrar o mundo de um mal maior.

Mas afinal, o que é um herói?

Um dos grandes referenciais que temos a esse respeito, baseia-se na obra de Joseph Campbell[1] que, ao analisar a figura do herói nos mitos presentes em várias culturas, assim o definiu:

Mesmo nos romances populares, o protagonista é um herói ou uma heroína que descobriu ou realizou alguma coisa além do nível normal de realizações ou de experiência. O herói é alguém que deu a própria vida por algo maior que ele mesmo. (…) há dois tipos de proeza. Uma é a proeza física, em que o herói pratica um ato de coragem, durante a batalha, ou salva uma vida. O outro tipo é a proeza espiritual, na qual o herói aprende a lidar com o nível superior da vida espiritual humana e retorna com uma mensagem.

Joseph Campbell ressalta que o herói é aquele que consegue superar a condição humana presente em nosso cotidiano pois, o que ele realiza está acima das capacidades normais, possuindo uma coragem que lhe permite doar a própria vida em nome de uma causa.

É de se considerar inclusive, que as narrativas míticas sobre o herói, independentes da cultura do qual são oriundas, possuem uma estrutura comum, ou seja, uma série específica de etapas a serem vivenciadas e vencidas pelo protagonista na conhecida “jornada do herói”.

Quer seja nas obras do poeta grego Homero com os heróis Aquiles e Ulisses ou ainda, em um clássico cinematográfico da ficção como Star Wars. Na abordagem de Joseph Campbell o herói sempre está disposto a de sacrificar em nome de um bem maior durante sua jornada.

E o vilão? Quanto ao vilão, costumeiramente, esse se caracteriza por ser a face invertida do herói. Enquanto o personagem heroico representa o bem acima dos interesses pessoais, o vilão traz consigo a representação do grande egoísmo. Enquanto o herói denota a posse de uma moral valorizada, apreço a determinadas ideologias e instituições da sociedade, o vilão representa a tentativa da destruição desses elementos.

Especificamente no século XXI, os vilões ganharam complexidade, deixando de ser um mero representante de um grupo a ser tido como vil para ser a representação do grupo de modo geral, tornando-se mais individualizados e motivados.

Mas, onde se encaixa o anti-herói?

O anti-herói e o vilão não devem ser confundidos visto que possuem características distintas. Como descrito por Mitchell[2] o “anti-herói” (também conhecido como o herói falho) é um arquétipo de caráter comum para o antagonista que existe desde as comédias e tragédias do teatro grego.

Ao contrário do herói tradicional que é moralmente correto e firme, o anti-herói geralmente tem um caráter moral falho visto que os compromissos morais que ele representa podem, muitas vezes, ser vistos como os meios desagradáveis para um fim apropriadamente desejado como quebrar um dedo para obter respostas ou, o que for necessário para que o vilão compareça à justiça.

Outras vezes, no entanto, as falhas morais são simplesmente falhas morais, como o alcoolismo, a infidelidade ou um temperamento incontrolável e violento.

Outras características que podem ser atribuídas ao anti-herói seria o eventual desapego emocional de elementos corriqueiramente defendidos pelos heróis, tais como família, comunidade, nacionalismo, patriotismo e as instituições ou ideologias no qual a ordem social é fundada e, com isso, o anti-herói seria aquele que persegue um código de conduta específico que não o expresso na moral social prevalecente.

Desses elementos apontados é de se destacar a fragilidade que o anti-herói possui se comparado com o herói, onde a moral defendida, muitas vezes, está aquém ou segue caminho diverso daquela proposta pela sociedade e, por fim, o uso de meios moralmente questionáveis para uma finalidade socialmente válida.

Atualmente, devido a complexidade social e o possível sentimento de angustia e injustiça, anti-heróis como Deadpool, Wolverine e Justiceiro estão em amplo destaques nas telas dos cinemas levando os expectadores a se sentirem representados por suas ações e ideologias.

Bloodshot representa exatamente o moderno anti-herói. Cego pela ira da vingança e pelo desejo de fazer justiça a qualquer custo, Vin Diesel nos leva a viver momentos frenéticos de ação e aventura.

Contudo fica a reflexão, até que ponto a ideologia dos anti-heróis pode ser defendida?

Retornamos socialmente ao ponto em que “os fins justificam os meios?”.

O filme fica com 2 cookies.


FICHA TÉCNICA:
Nome original: Dark Waters.
Diretor: Dave Wilson.
Distribuidora: Sony Pictures.
Ano: 2020.

REFERÊNCIAS:
[1] CAMPBELL, J. O poder do mito. São Paulo: Palas Athena, 1990, p. 137.
[2] MITCHELL, J. The Rise of the Anti Hero: Why the characters in TV and movies we love most are the ones with fatal flaws. Relevant Magazine, 2013. Disponível no site Relevant Magazine.