“Os seus cientistas estavam tão preocupados se poderiam ou não, que não pararam para pensar se deveriam.”

Com essa frase, o dr. Ian Malcolm (Jeff Goldblum), do filme Jurassic Park, levanta um dos questionamentos trazidos pela história. Nela, um empresário decide empregar cientistas para recriar os dinossauros com base em DNAs encontrados em mosquitos fossilizados em âmbar. Como eles não estavam completos, inseriram o de outras espécies de animais, como anfíbios, abelhas, etc. Será que eles pensaram em usar de outros répteis, já que os dinos também são? Por conta dessa mistureba, eles não são dinossauros puros de fato.

Cena de Jurassic Park (1993).

Cena de Jurassic Park III (2001).

A era dos dinossauros é chamada de Mesozóica e compreende três períodos, chamados de Triássico, Jurássico e Cretáceo. O Triássico foi de 250 e 205 milhões de anos atrás, o Jurássico foi de 205 a 142 milhões de anos atrás, e o Cretáceo foi de 142 a 65 milhões de anos atrás (1). Imagino que seja conhecimento de todos que o final do Cretáceo foi marcado pela extinção em massa das espécies do planeta e que foi provavelmente causada pelo impacto de um grande meteorito. As espécies sobreviventes evoluíram, em meio a outras extinções, para se tornarem as que existem hoje em dia, inclusive a nossa. Essa é a era Cenozóica. Ou seja, graças a extinção dos dinossauros e de outros do período Cretáceo, é que as espécies de hoje tiveram uma chance na escala evolutiva. Com essa informação, entramos no primeiro questionamento desse post e que também é levantado em Jurassic Park: você pega espécies separadas por milhões de anos e coloca para viver tudo junto. E aqui eu não me refiro apenas aos dinos em geral e aos humanos, pois eles não viveram todos ao mesmo tempo. O parque recriou espécies de diferentes períodos e intervalos de anos, e que, portanto, jamais conviveram em sua época original. Aí eles juntaram todos, especialmente os herbívoros, em um local que também não teria capacidade para sustentar esses animais, pois tem a própria flora e fauna adaptada para os dias de hoje. E não precisamos imaginar as implicações disso, pois temos acontecendo agora mesmo. Em diversos lugares do mundo, devido a imigração da população humana, temos espécies invasoras de animais e até de vegetais que competem por alimento com as locais ou as matam sem eles próprios terem predadores a altura. Um exemplo famoso é o gato, que em diversos países, tem causados problemas para ecossistemas locais ao matar aves e roedores (2). Eu gosto de gatos, não me entendam mal, aliás. Há espécies que só existem em um local específico e, se ela morrer lá, torna-se extinta. A inclusão de dinossauros, répteis, voadores e aquáticos em uma ilha com um próprio ecossistema é praticamente assinar o atestado de extinção das espécies que lá vivem e que tem tanto direito de viver quanto os dinos. Em resumo, a chance de acontecer um desastre ecológico ali é grande. E pior ainda se eles escaparem da ilha. Os danos ecológicos em todas as esferas biológicas que eles causariam seriam ainda maiores, talvez imensuráveis.


Cena de O Mundo Perdido: Jurassic Park (1997).

Cena de Jurassic Park (1993).

Outra questão a ser levantada é a logística de alimentação dos dinossauros e a própria saúde deles. No primeiro filme, vimos um triceratops doente e não explicam o motivo. No livro que deu origem a ele, explicam que a digestão dessa espécie é ruim e eles precisam comer pedras para ajudar. Mas as pedras que eles estavam comendo tinham musgo, e isso estavam fazendo mal. Por mais que os cientistas consigam reviver plantas pré-históricas, não há como trazer todas e muito menos cada uma da mesma época de cada dinossauro. E ainda restariam as plantas já nativas do local. Quem poderia ter certeza de que as plantas lá presentes, pré-históricas ou modernas, não poderiam fazer mal aos dinos e causar surtos de doenças e mortes entre eles? E será que a vegetação da ilha tem capacidade de crescer e germinar a tempo de sustentar a todos? Vários tem tamanhos descomunais e precisam de toneladas de comida por dia para sobreviver. Na época deles, a comida eram muito abundante e tinham o mundo todo para andar. Mas hoje, a flora do planeta não está mais adaptada para animais tão grandes e, como se não bastasse, estão todos confinados a uma ilha. E quanto aos carnívoros? Os organizadores do parque decidiram alimentá-los com bois, cabras e demais ruminantes. Mamíferos. Sim, mamíferos já existiam na Era Mesozóica, mas eram pequenos e não necessariamente eram alimento dos répteis. Talvez os cientistas tenham modificado genes que permitam a eles digerirem pelos, glândulas mamárias e nutrientes dos mamíferos, mas quem garante que isso não traria outras consequências? Genética não é matemática. Fora a quantidade de carne que precisam por dia.

Cena de Jurassic World (2015).

Kualoa Ranch, no Havaí, uma das locações dos filmes Jurassic Park e World.

Em Jurassic World: Reino Ameaçado, o vulcão da ilha Nublar está prestes a entrar em erupção e causar a extinção de todos os dinos novamente. É levantada a questão de se devemos agir com o coração e salvá-los ou de agirmos pela lógica e deixarmos a natureza corrigir o erro dos humanos. É complicado responder isso, pois qualquer um com um mínimo de empatia pensa em salvá-los, pois, afinal, são animais senscientes como qualquer outro, ou seja, sentem dor, frio, medo, fome, sede, etc. Não estão lá por que querem, mas também não podem sair, pois estão cercados pelo oceano, a exceção dos voadores, que foram criados em viveiros. Foram recriados geneticamente, mas são seres vivos e também tem direito a vida. Mas aquelas plantas e animais que morreram e morrerão pela presença dos dinossauros também tem o direito de viver. Fica aí algo para refletir.

Cenas de Jurassic World: Reino Ameaçado (2018).

Todos esses questionamentos aqui não implicam que trazer espécies extintas de volta é errado. Na verdade, isso depende. Se for uma espécie que foi extinta muito recentemente, pela ação do homem e o ambiente ainda não tiver se adaptado a ausência dela, abram alas para os cientistas. Dêem um jeito e tragam ela de volta. Mas se for espécie extinta há tempos, seja pela ação do homem ou da natureza, e o ambiente já estiver adaptado, esqueçam ela lá. Já teve a própria chance de viver, o ecossistema não precisa mais dela e a volta da mesma causaria um desequilíbrio, ou até um desastre ecológico. E, no caso dos dinos, como também disse o Dr. Ian Malcolm, a natureza os escolheu para a extinção, e por conta disso, outras puderam prosperar. Daqui a um tempo, pode acontecer outra em massa, espécies completamente diferentes evoluírem e tornarem-se dominantes. De fato, quando tivermos um poder de manipulação genética desses, o certo seria concentrar os esforços em salvar espécies em risco iminente de extinção ou extintas muito recentemente, como o rinoceronte-branco do norte, declarado extinto oficialmente em março de 2018 (3). Infelizmente, sabemos que não é sempre assim que funciona, pois, como visto em todos os filmes que tratam dessa questão, a ganância humana sempre será grande.

Cena de Jurassic World: Reino Ameaçado (2018).

Muitos de nós achamos os dinossauros fascinantes, mas diante dos inúmeros problemas que eles trariam para o planeta e para si mesmo, o melhor é que fiquem lá na pré-história e que sejam revividos apenas em filmes, seriados, livros, quadrinhos e no imaginário das pessoas.

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Fontes:

(1): Era mesozóica – https://www.sobiologia.com.br/conteudos/Solo/eramesozoica.php

(2): The impact of free-ranging domestic cats on wildlife of the United States – https://www.nature.com/articles/ncomms2380

3): Último rinoceronte-branco do norte morre e espécie entra em extinção – https://revistagalileu.globo.com/Ciencia/Meio-Ambiente/noticia/2018/03/ultimo-rinoceronte-branco-do-norte-morre-e-especie-entra-em-extincao.html

 

PS: As imagens usadas foram escolhidas entre as cenas da franquia Jurassic Park por ilustrarem bem o texto e serem de um exemplo bem conhecido sobre o assunto, sem querer menosprezar outras franquias que mostram dinossauros vivos, espécies extintas recriadas e/ou a ganância humana para com os animais em geral.